Título: A hora de dar acesso à educação a adultos e idosos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2008, Opinião, p. A16

A política de universalização do ensino básico produziu um corte etário que se somou à desigualdade regional e de cor nas oportunidades de ensino. O aumento das taxas de alfabetização tem ocorrido de forma acentuada nos grupos etários mais jovens e, quanto mais se distancia no tempo o início da política de universalização da freqüência escolar das crianças, mais se reduz o analfabetismo nas faixas intermediárias de idade - e mais as taxas de analfabetismo ficam concentradas entre os mais velhos. Se não houver uma política de alfabetização de jovens e adultos tão efetiva quanto foi a política de inclusão educacional das crianças, a erradicação do analfabetismo demorará mais duas décadas, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Segundo o Comunicado da Presidência do Ipea do último dia 14 de outubro, uma análise sobre os números de 2007 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve uma redução substancial do analfabetismo na faixa etária de 15 a 17 anos - era de 8,2% em 1992 e no ano passado já havia baixado para 1,7% -, fenômeno que também ocorreu na faixa de 18 a 24 anos, que era de 8,6% em 1992 e caiu para 2,4% no ano passado. Na faixa etária de mais de 40 anos, a taxa de analfabetismo em 2007 era de 17,2%, contra 17,9% em 2006 e 29,2% em 1992 - embora as taxas venham lentamente se reduzindo, é essa faixa etária ainda que concentra o maior número de analfabetos. O índice de analfabetismo da população de 40 anos ou mais é maior do que a taxa nacional, de 10%. Segundo o Ipea, 90% dos analfabetos do Brasil estão na faixa dos 25 anos ou mais, sendo que a maior parte deles são idosos.

Se a Pnad acusa fragilidades nas políticas de educação para jovens e adultos, aponta também para o fato de que as desigualdades regionais e de cor ainda são a marca do perfil educacional da população brasileira. O Nordeste tem reduzido de forma constante sua taxa de analfabetismo, mas ela ainda é duas vezes maior do que a média nacional - 20% da população nordestina é analfabeta, contra 10% da média do país. Na Região Sul, essa taxa cai para 5,4%. Existe ainda uma distância enorme entre o mundo urbano e rural - no campo, quase um quarto da população é analfabeta; na cidade, o índice é de 4,4%. E, embora esteja ocorrendo uma redução na distância educacional entre brancos e negros, os analfabetos negros ainda são mais do que o dobro (14,1%) do que os analfabetos brancos (6,1%). Estatisticamente, são considerados negros os pretos e os pardos.

A média de anos de estudo para a população de 15 anos ou mais também reflete as distâncias regionais e entre os grupos de cor. No Brasil e nas regiões, o número de anos de escolaridade aumentou 0,1% em relação a 2006. A taxa média brasileira atingiu 7,3 anos. Na região Sudeste, a média de anos de escolaridade é de 8 anos; a do Nordeste, de 6 anos. Entre a população urbana, a taxa média de escolaridade é de 8,5 anos; na população rural, é de 4,5 anos. Entre a população negra, a média de anos de estudo é de 6,4 anos; na população branca, de 8,2 anos. A diferença por faixas etárias chega a ser maior ainda. A população com mais de 30 anos estudou em média 6,5 anos, enquanto os brasileiros entre 18 e 24 anos chegam a ter 9,1 anos de estudo.

Quando políticas públicas partem de uma realidade arrasadora, elas são mais eficientes se dão um corte na população e se concentram nas faixas de menor idade. Foi o que aconteceu com a política educacional que, para as crianças, tende a ser universalista, na medida em que o poder público consiga agregar as crianças de zero a seis anos com a mesma eficiência com que, nos últimos governos, conseguiu praticamente universalizar o acesso à escola das crianças com mais de sete anos. A partir do momento em que se democratiza o acesso à educação nessas faixas, tornam-se necessárias políticas para inserção das pessoas que foram excluídas desse corte inicial. Ou, então, espera-se que as faixas etárias mais velhas concentrem analfabetismo e pobreza e assim permaneçam para sempre, sem qualquer perspectiva de conquista individual. Está na hora de olhar para essas pessoas. A segunda alternativa, de deixar uma parcela da população congelada na miséria, não é nem um pouco democrática.