Título: BC vende até US$ 50 bi no futuBC vende até US$ 50 bi no futuro
Autor: Ribeiro, Alex; Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2008, Finanças, p. C1

O Banco Central anunciou ontem que irá realizar um programa de venda de até US$ 50 bilhões em swaps cambiais, que na prática significam venda de dólar no mercado futuro, como parte de suas estratégia para "mitigar os efeitos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira." Ontem mesmo o BC deu início ao programa, com a venda de US$ 2,220 bilhões.

Com o comunicado, o BC mostra que pretende usar uma munição maior para combater a crise, eliminando dúvidas de que sua atuação no mercado futuro teria limites. A grande questão era se a autoridade monetária iria continuar a vender swaps cambiais mesmo depois que fosse encerrada a sua posição comprada em dólar no mercado futuro.

Pelos dados oficiais, em fim de setembro o BC tinha uma posição de US$ 22,45 bilhões em swaps cambiais reversos, que são as suas posições compradas no mercado futuro. Elas foram construídas ao longo dos últimos anos, por meio do resgate de swaps cambiais tradicionais e pela venda dos swaps cambiais reversos. Essa posição ativa vem sendo consumida rapidamente com a crise. Até anteontem, as vendas de swaps já haviam chegado a US$ 13,6 bilhões, além de US$ 1,5 bilhões de swaps cambiais reversos não renovados.

Com o comunicado, na prática, o BC anuncia que poderá assumir uma posição vendida (passiva) em dólares de pouco mais de US$ 43 bilhões no mercado futuro. Essa exposição significa que, se o dólar se valorizar, o BC perde recursos. Mas, em virtude do alto volume de reservas internacionais, uma depreciação não levaria a perdas fiscais. Se o programa for totalmente implementado, seria consumido algo como um terço da posição ativa (comprada) em câmbio do governo, que era de R$ 295,687 bilhões, segundo os dados da dívida líquida do setor publico de agosto.

O BC informou que os US$ 50 bilhões não serão usados de uma só vez. O instrumento será usado à medida que "o BC julgue necessário, com vistas a assegurar o bom funcionamento dos mercados".

O anúncio feito pelo BC foi muito bem visto pelos bancos e ajudou de forma determinante a derrubar o dólar ontem. A cotação caiu 3,15%, para R$ 2,3050. Segundo o mercado, a medida é especialmente bem-vinda neste momento em que muitas empresas com exposição vendida em dólar por meio de derivativos precisam desmontar suas posições e comprar volumes no mercado futuro que são estimados em torno de US$ 30 bilhões. As empresas compram dólar dos bancos (desmontando suas posições vendidas no futuro) nos contratos de balcão (entre as duas partes) e os bancos podem comprar do Banco Central sem que haja uma pressão adicional no câmbio no momento dos desmonte dessas posições.

A venda dos swaps cambiais pelo BC ajuda também os bancos e fundos a liquidar de uma vez sua exposição nos swaps cambiais reversos do BC, que têm ajuste diário. O mercado calcula que esses swaps cambiais reversos estão em torno de US$ 7 bilhões a US$ 8 bilhões neste momento. Portanto, segundo os cálculos do mercado, os US$ 50 bilhões em venda futura de dólar são mais do que suficientes para evitar pressões adicionais no câmbio futuro. São US$ 30 bilhões das empresas mais US$ 7 bilhões dos swaps cambiais reversos - US$ 37 bilhões ao todo.

A venda de dólar futuro pelo BC também é vista com bom olhos neste momento em que a BM&F anunciou uma chamada de margem adicional para contratos futuros e de opções de câmbio com vencimento em novembro de 2008 cujas posições em aberto não forem roladas até o dia 27 deste mês.

Os bancos dizem que o Banco Central tem procurado todos eles, a Cetip e a BM&F de forma a entender a dimensão do problema com os derivativos das empresas. Os bancos lembram no entanto que há um falta de crédito para muitas companhias desmontarem suas posições no mercado futuro. As companhias precisam de liquidez para repor o seu caixa e iniciar o pagamento de pelo menos uma parcela importante das dívidas.

Nas últimas semanas, as intervenções do BC têm usado principalmente instrumentos alternativos, como swaps cambiais e empréstimos em dólares. As vendas definitivas de dólares no mercado tem sido relativamente pequenas. Com isso, as reservas são preservadas. Mas alguns economistas têm advogado uma venda mais forte de moeda à vista, como forma de conter a depreciação da moeda.

O BC não dá explicações sobre suas atuações, mas, nas poucas vezes em que se prenunciou sobre o assunto, afirma que as intervenções não tem o objetivo de determinar a taxa de câmbio. O diagnóstico da autoridade monetária é que, com a crise internacional, a taxa de câmbio não ficará mais no patamar anterior, já que o apetite de estrangeiros por ativos brasileiros foi reduzido e a cotação de "commodities" caiu.

Mas o BC tem ressaltado que, embora não pretenda determinar a taxa de câmbio, não abre mão de atuar para que o mercado funcione bem. Suas intervenções, tipicamente, ocorrem quando há dois tipos de situação: problemas de liquidez que levariam a volatilidade no cambio; e má formação de preços.

Os problemas de liquidez ocorrem quando há um aumento temporário na demanda por dólares ou uma restrição temporária de oferta. É o caso, por exemplo, da redução dos empréstimos feitos por bancos estrangeiros a instituições brasileiras para financiar o comércio exterior. Na visão do BC, esse é um fenômeno temporário e, sem sua ação, a taxa sofreria uma desvalorização seguida de valorização.

Para evitar uma oscilação desnecessária no câmbio, o BC vem fazendo a injeção de recursos no mercado de forma também temporária. Entre as medidas, estão os leilões de linha, que já somam US$ 3,7 bilhões, em que a operação é desfeita algumas semanas ou meses depois. Outro exemplo são os empréstimos em moeda estrangeira para financiar o comércio externo, cujo primeiro leilão somou US$ 1,6 bilhão.

As vendas de dólares no mercado à vista têm o objetivo principal de lidar com problemas de má formação de preço. Neste mês os exportadores, os principais agentes vendedores no mercado à vista em épocas de crise, deixaram de ingressar com seus recursos por causa da volatilidade excessiva, causando uma escassez de dólares também no mercado à vista. Em dias de maior nervosismo, o mercado costuma abrir uma grande diferença entre os preços de compra e venda do dólar. Os leilões de venda de moeda à vista do BC ajudam, então, a definir um preço de consenso, destravando o mercado.