Título: Crise afeta mais a Bolsa, mostra BC
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2008, Finanças, p. C3

Estatísticas divulgadas ontem pelo Banco Central mostram que a crise internacional provocou forte saída de recursos aplicados por estrangeiros na bolsa e uma repatriação moderada de recursos investidos em títulos públicos. Também houve redução nas linhas de financiamento a importação e aceleração nas remessas de lucros e dividendos, embora, nesses dois casos, há sinais de melhora nos últimos dias. Os investimentos diretos, por outro lado, continuam a entrar com força no país, e as empresas estão conseguindo rolar mais de 100% da dívida externa privada com prazo superior a um ano.

Os dados do BC mostram que, em outubro, até o dia 21, o mercado de câmbio registrou um déficit de US$ 3,386 bilhões. O resultado negativo foi coberto pelas vendas de dólares feitas pelo BC no período, que são estimadas em US$ 3,850 bilhões. Os bancos aumentaram sua posição comprada em moeda estrangeira de US$ 6,682 bilhões para US$ 7,146 bilhões entre o fim de setembro e o dia 21 de outubro.

O déficit no mercado de câmbio se divide em duas partes. De uma lado, os dólares vendidos pelos exportadores superaram as compras dos exportadores em US$ 1,514 bilhão. De outro lado, o segmento financeiro registrou um déficit de US$ 4,9 bilhões.

Ao contrário do que o nome sugere, o segmento financeiro não inclui apenas os fluxos de capitais, como empréstimos e investimentos, mas também serviços e rendas, como pagamentos de juros, lucros e dividendos e o turismo internacional. Ontem, o BC divulgou algumas estatísticas complementares que ajudam a entender o que está ocorrendo em outubro com os capitais estrangeiros e como tem se comportado os serviços e rendas.

O fluxo de saída mais importante é a retirada, pelos investidores estrangeiros, de recursos aplicados em ações. A saída líquida soma US$ 4,398 bilhões, nos dados acumulados até o dia 23 de outubro. Desse total, US$ 4,394 bilhões foram retirados de aplicações em Bolsas no país; o resto, refere-se a ADRs, negociados no exterior. Em setembro, já havia sido registra saída de recursos aplicados em ações, de US$ 1,877 bilhão, 99,25% dos quais negociado dentro do país.

Esse dado cobre até o dia 23, enquanto o déficit no mercado de câmbio vai até o dia 21. Outra diferença entre os dados é que, no movimento de câmbio, o que vale são as operações contratadas. Nos dados sobre as saídas de investimentos em ações, o conceito é o câmbio liquidado. Normalmente, a liquidação das operações de câmbio ocorre com dois dias de defasagem.

Outra saída importante de recursos em outubro, sempre até o dia 23, é originada das aplicações de renda fixa, sobretudo a compra de títulos públicos, com fluxo negativo de US$ 842 milhões. Desde novembro de 2007, quando US$ 103 milhões deixaram o país, não se registrava saída de investimentos em renda fixa. Anteontem, como forma de incentivar o ingresso de investidores, o governo anunciou a eliminação da taxação de 1,5% incidente sobre o ingresso desse capital.

Dentre os capitais, outro foco importante de saída de dólares são os financiamentos de comércio exterior. Não há, porém, estatísticas referentes a outubro que mostrem, de forma direta, a perda desse tipo de captação externa. Ontem, o BC divulgou apenas que as saídas de capitais de curto prazo foram de US$ 1,019 bilhão em setembro; a maior parte desses capitais de curto prazo financia o comércio exterior.

Um dado que permite uma leitura aproximada do que está acontecendo com as captações para financiar o comércio exterior são as contratações de operações de Adiantamento sobre Contratos de Câmbio (ACC). Essas operações somaram, na média dos dias úteis, US$ 135 milhões em outubro, até o dia 21, abaixo dos US$ 239 milhões de setembro, segundo dados do movimento de câmbio contratado. Mas é possível identificar uma melhora nos últimos dias, embora a situação siga pior do que antes do agravamento da crise internacional.

Uma forma de perceber essa melhora é por meio da média móvel de cinco dias. Ou seja, a soma dos ACCs contratados em cinco dias, dividido por cinco. No pior período, entre os dias 8 e 14 de outubro, a média móvel foi de apenas US$ 76,4 milhões. Entre os dias 15 e 21 de outubro, últimos dados disponíveis, a média móvel subiu a US$ 197 milhões. Houve melhora, mas a média segue abaixo dos valores entre US$ 350 milhões e US$ 400 milhões observados no início de setembro, antes da crise piorar.

As captações das empresas privadas no exterior continuam relativamente favoráveis em outubro, mostram os dados do BC. As empresas rolaram o equivalente a 136% dos empréstimos de médio e longo prazo vencidos em outubro, até o dia 23. As captações somaram US$ 462 milhões, enquanto as remessas de recursos ficaram em US$ 339 milhões.

Quando esses números são analisados mais detalhadamente, porém, percebe-se que as empresas estão tendo dificuldades para captar por meio de títulos, mas os empréstimos diretos seguem bem. A taxa de rolagem dos papéis é de 22%, correspondendo a uma captação de US$ 49 milhões para US$ 224 milhões em vencimentos. Em setembro, a taxa de rolagem dos papéis foi de 130%. Já no caso dos empréstimos diretos, a taxa de rolagem é de 361%, referentes a uma captação de US$ 413 milhões para um vencimento de US$ 114 milhões. Em setembro, a rolagem havida sido de 224%.

Entre os capitais, o destaque positivo são os investimentos diretos. Os ingressos em outubro, até o dia 23, chegam a US$ 3 bilhões, a a previsão do BC é um fluxo positivo de US$ 3,5 bilhões para o mês. "É um ingresso mais forte do que a média mensal de investimentos diretos, que é da ordem de US$ 2 bilhões", disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. Em outubro, os investimentos diretos surpreenderam, com ingresso de US$ 6,258 bilhões. "As decisões de investimento são tomadas para prazos mais longos e normalmente não são afetadas por oscilações do mercado financeiro", afirmou Lopes.

Dentro das contas de serviços e rendas, o item mais pesado é a remessa de lucros e dividendos. Os dados mostram que a crise provocou uma aceleração das remessas no fim de setembro. Até o dia 23 daquele mês, as remessas somavam US$ 1,980 bilhão e, até o fim de setembro, subiram para US$ 3,450 bilhões. Mas os sinais são de uma certa acomodação em outubro, com saída de US$ 1,126 bilhão até o dia 23