Título: Do Brasil à Hungria, crise ameaça conquistas de países emergentes
Autor: Slater, Joanna
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2008, The Wall Street Journal Americas, p. C4

Numa questão de semanas, a tempestade nos mercados mundiais desfez anos de ganhos duramente conquistado pelas economias emergentes.

Ao longo do último mês, o custo de financiamento para governos de países emergentes inflou a níveis que não se viam há seis anos, e continuou a subir ontem.

Os investidores temem principalmente os países com necessidades financeiras e fundamentos econômicos enfraquecidos que podem levar a uma crise mais profunda, como alguns do Leste Europeu. Mas mesmo países com finanças relativamente sólidas estão vendo suas perspectivas escurecer, à medida que diminuem o acesso ao crédito e o crescimento econômico global.

Segundo um índice do J.P. Morgan, os investidores agora exigem um rendimento 8 pontos porcentuais maior que o dos títulos do Tesouro americano para pôr seu dinheiro em dívida de mercados emergentes. Um mês atrás, a diferença estava abaixo de 4. Isso torna muito mais difícil para os governos obter os financiamentos de que necessitam ou aumentar gastos para combater a desaceleração econômica.

O ágio exigido para dívida de empresas desses países subiu ainda mais. Elas foram menos disciplinadas que os governos em termos de empréstimos estrangeiros nos últimos anos, com dívidas que são muito mais difíceis de pagar ou rolar.

Sinais ainda maiores da crescente preocupação foram dados ontem, quando a agência de classificação de risco Standard & Poor"s alertou sobre um possível rebaixamento da Bulgária e da Rússia. A Bulgária depende de capital estrangeiro para diminuir a imensa diferença entre suas importações e exportações. Agora ela encara "o risco de um declínio abrupto em financiamento externo", escreveu a S&P. A Rússia, por sua vez, enfrenta custos crescentes para resgatar seu sistema bancário, afirmou a agência.

Muitos desses países evitaram os erros que cometeram no fim dos anos 90, quando grandes empréstimos em moeda estrangeira feitos por seus governos ajudaram a provocar crises cambiais ou moratórias. Isso os deixa mais bem preparados do que já foram para enfrentar a tempestade de hoje.

No entanto, a atual combinação de fatores representa um "coquetel relativamente explosivo", diz Michael Gomez, um dos responsáveis por mercados emergentes na Pacific Investment Management Co. Entre esses fatores estão o êxodo de investidores; queda nos preços de commodities; novos pontos fracos como a aposta ruins de empresas em moedas, o que semeou ainda mais pânico; e, em países como a Argentina, decisões políticas altamente heterodoxas como a proposta de nacionalizar planos privados de aposentadoria.

Países numa posição mais forte - com menos dependência de financiamento estrangeiro e com grandes reservas - estão trabalhando para aliviar a pressão no mercado doméstico de crédito e têm usado suas reservas internacionais para defender suas moedas. Ontem, o Brasil interveio pesado no mercado cambial para segurar o deslizamento do real, que teve desvalorização de 15% desde o começo deste mês. O país também anunciou que vai dar até US$ 50 bilhões em swaps cambiais.

Os países com grandes déficits que requerem financiamento estrangeiro estão numa posição muito mais difícil. Vários já procuraram o Fundo Monetário Internacional para discutir suas necessidades de financiamento, entre eles o Paquistão, a Hungria, a Ucrânia e a Belorússia.

Na quarta-feira, a Hungria aumentou sua taxa de juros em 3 pontos porcentuais para ajudar sua combalida moeda, o florim, uma medida grave numa economia que enfrenta possível recessão. Altas como esta são "uma pílula perigosa que têm o risco de matar o paciente", escreveram analistas do Danske Bank.

Para muitos países da Europa Central e do Leste Europeu, o custo do seguro contra moratória da dívida pública saltou ontem para o maior nível da história, segundo a firma de informação de crédito Markit. Mas também subiu para mercados emergentes em outras regiões, independentemente da qualidade do crédito do país, provavelmente uma indicação de venda indiscriminada dos investidortes.

"Alguns investidores querem pular fora para garantir lucro e outros estão sendo forçados a fazer saques", diz Kevin Colglazier, diretor de investimentos da Standard Asset Management em Londres, especializada em dívida de mercados emergentes. "Eles construíram essas posições ao longo de meses ou anos e querem sair no espaço de horas ou dias."

Os investidores não estão limitando sua busca por possíveis vulnerabilidades a mercados emergentes. A aversão ao risco também ampliou distorções no mercado de dívida soberana da zona do euro ontem. (Colaboraram Christopher Emsden e Giada Cardoletti-Litner)