Título: Falta transparência na MP que permite a compra de bancos
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Fonte: Valor Econômico, 27/10/2008, Opinião, p. A18

Mal recebida no Congresso, a Medida Provisória 443, editada no dia 22, é um cheque em branco para o governo lidar com a crise financeira mundial e suas conseqüências sobre o sistema financeiro e imobiliário doméstico. Parlamentares de diversos partidos mostram resistência à aprovação, principalmente à autorização para que os bancos públicos - Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal- possam, diretamente ou por meio de suas subsidiárias, comprar participação em bancos públicos ou privados, com ou sem o controle do capital.

É claro e legítimo o receio dos políticos, do mercado e das empresas, de deixar uma porta tão escancarada para a estatização de parte do sistema financeiro e de imóveis que opera no país, sem que a MP traga qualquer mecanismo que assegure que essas operações terão que ser feitas com toda a transparência e acompanhadas de rigorosa prestação de contas do governo à sociedade.

A MP traz instrumentos para o governo lidar com a crise, mas abriga também uma outra vertente, que é a de resolver todos os problemas que os bancos públicos se queixavam de ter, como limitações para crescer e atuar em todas as áreas do setor financeiro. Isso tem pouco a ver com a crise propriamente dita.

O Banco do Brasil já estava em negociações com a Nossa Caixa e Banco Regional de Brasília (BRB) para incorporar essas instituições por uma troca de ações, nos moldes do que já foi acertado com o Banco do Estado de Santa Catarina (Besc) e o Banco do Estado do Piauí (BEP). Pela legislação em vigor, negócios dessa natureza - a incorporação entre entes públicos - prescinde de licitação. A MP, porém, avança na autorização para que o pagamento, em vez de ser em ações, possa ser feito em dinheiro (o que exigiria licitação). Ou seja, pegou uma carona na medida provisória para facilitar um negócio que já estava sendo feito, mas que esbarrava na falta de uma engenharia financeira que garantisse aos governos estaduais o valor das receitas das ações que receberiam do BB.

A CEF vinha, há anos, reivindicando autorização para abrir um banco de investimento. Os efeitos da crise sobre o crédito doméstico e as dificuldades para obter capital de giro que algumas empresas construtoras, com muito capital imobilizado na compra de terrenos, começaram a sentir, caíram como uma luva para a CEF, que poderá agora criar a subsidiária e ir às compras.

Hoje os bancos públicos são proibidos de adquirir participação em instituições privadas. A medida provisória extingue todas as proibições, dando a eles o mesmo tratamento que a lei confere aos bancos privados. Essa é uma medida que poderá ter impacto relevante na gestão da crise, mas deixou uma enorme inquietação no mercado sobre qual o tamanho do problema bancário no país. Até então, a crença era que o Brasil tem um sistema sólido e muito bem regulado e este passaria ao largo da devastação financeira mundial.

A ampliação dos poderes dos governos para lidar com a crise é um traço comum a todos os pacotes de socorro que os países, desenvolvidos ou não, lançaram até agora. O governo Lula diz que procurou inspiração nas iniciativas do primeiro-ministro da Inglaterra, Gordon Brown, para desenhar as linhas básicas da MP 443; e a gravidade da situação permite, até certo ponto, ousadias e busca de caminhos antes impensáveis.

É bom lembrar, contudo, que banco público também quebra. O BB e a CEF foram muito mal usados politicamente por governos passados, quebraram e tiveram que ser saneados pelo Tesouro, com aporte de bilhões de reais dos contribuintes nos anos 90 e em 2000.

É importante, assim, que o governo negocie com o Congresso mudanças na MP 443 para que, nesse processo de estatização que deve ocorrer, se exija dos bancos públicos transparência nos negócios, prestação de contas à sociedade e, tão importante quanto isso, a construção de regras de saída para quando a crise acabar.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a compra de bancos privados pelas instituições públicas será algo transitório. Mas a MP não faz qualquer referência a como e quando o BB e a CEF iniciarão o processo de privatização dos bancos estatizados.