Título: Serra sai fortalecido na disputa pelo Planalto
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2008, Política, p. A10

Apesar de terem um peso relativo na sucessão presidencial, as eleições municipais de 2008 praticamente definiram as alternativas da oposição para 2010: o governador de São Paulo, José Serra, é o mais forte candidato, no momento, à cadeira ocupada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em aliança com o Democratas (DEM), o PPS, provavelmente o PV e uma parcela do PMDB, sigla que saiu mais fortalecida das eleições municipais e que desde já é objeto da disputa entre governo e oposição. Anna Carolina Negri / Valor Gilberto Kassab durante votação com José Serra: vitória em São Paulo fortalece o nome do governador e pode ajudar a reunir apoios para disputar o Planalto

Mesmo saindo menor, em número de votos, em relação a 2004, a oposição avalia que tem, por meio de Serra, expectativa de poder. O PT, por outro lado, vai pela primeira vez sem Lula para uma eleição e terá de construir praticamente do zero uma candidatura para daqui a dois anos.

Serra se consolidou no PSDB, muito embora o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, mesmo desgastado com a eleição de Belo Horizonte, vá deixar seu nome em pauta até o último prazo legal. No Palácio do Planalto e no PT, Serra já é considerado o vencedor da disputa interna do PSDB e o adversário a ser batido nas eleições presidenciais de 2010.

Além da consolidação de Serra, a oposição considera que se fortaleceram os laços entre o PSDB e o Democratas, especialmente pela bem-sucedida parceria em São Paulo para a reeleição do prefeito Gilberto Kassab. Eleição que serviu também para o governador paulista cravar uma cunha no PMDB, com a adesão do ex-governador Orestes Quércia à candidatura Kassab, além de consolidar a aliança com o PPS. No Rio, o PSDB abriu uma frente para futura composição com o PV, ao apoiar a candidatura a prefeito de Fernando Gabeira, inclusive financeiramente.

Até 2010, pode surgir mais de uma candidatura de oposição, mas por enquanto a trincheira anti-PT está ocupada pela dupla PSDB-Democratas. Pelo lado governista, a evolução da crise econômica e os índices de popularidade do presidente é que vão apontar a melhor saída: um só candidato, como quer atualmente o presidente, com sua aposta na ministra Dilma Rousseff (Cassa Civil), dois ou até três na hipótese de os cálculos do Palácio do Planalto passarem pela união de partidos aliados num eventual segundo turno.

A associação tucano-petista de Belo Horizonte sugeria uma terceira via, mas ela rateou com a candidatura de Aécio e do prefeito Fernando Pimentel no primeiro turno, em Belo Horizonte. Hoje também é considerado improvável que Aécio lidere uma dissidência no PSDB (que incluiria Geraldo Alckmin e o senador Tasso Jereissati), como chegou a ser especulado durante o primeiro turno da eleição municipal.

O deputado, ex-ministro e ex-candidato a presidente Ciro Gomes (PSB) é uma incógnita. Ele reconhece que pode estar à frente de uma chapa em 2010. Não para vencer o pleito, mas para, eventualmente, ajudar o candidato do presidente Lula a passar para o segundo turno. O ex-ministro insiste que não disputará a eleição contra Lula. Há sempre a hipótese de Aécio no PMDB, com o aval de Lula, possibilidade que o presidente pemedebista Michel Temer (SP) não descarta, mas já considera muito difícil.

É em Aécio que setores do governo e do PT pensam quando falam em reforma política. Atualmente em consulta pública, a reforma, na realidade, não deve passar de uma mudança cosmética para flexibilizar a fidelidade partidária. Uma "janela" para permitir o troca-troca partidário, um antigo hábito dos políticos brasileiros que foi vetado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob pena de perda do mandato eletivo.

A mudança cabe no figurino de Aécio, mas também serve para Henrique Meirelles, o ministro-presidente do Banco Central, nome que volta a ser insinuado nos partidos - é uma recorrência nas crises ou expectativas de crise.

A eventual candidatura de Meirelles depende da extensão da crise e de seu desempenho no comando da travessia rumo a um porto seguro. Uma possibilidade aventada seria a filiação de Meirelles ao PTB, desde que expurgado de seu atual presidente, o ex-deputado Roberto Jefferson. Um projeto - a retirada de Jefferson - que volta e meia passa pela cabeça de setores do Planalto que, no entanto, nunca conseguem levar adiante a idéia.

Enfim, não são poucas as armadilhas no caminho da oposição. Por isso tucanos e demistas, em uníssono, afirmam que só unidos eles terão condições de derrotar o governo e o PT em 2010. Segundo se avalia na oposição, é certo que Lula, no último quarto de mandato, deve enfrentar dificuldades que não teve ao longo dos últimos seis anos, e passará pelo desafio de mostrar capacidade de gerenciamento diante de crise econômica. Esse quadro é que vai condicionar e dar os parâmetros da oposição ao governo nos próximos dois anos.

O desafio de José Serra será acertar a aliança com Aécio Neves e manter o máximo de tempo possível a boa relação administrativa que tem com o governo federal, sobretudo no cenário prenunciado de crise econômica. Vitorioso, Serra viu os tucanos renderem-se à candidatura Kassab, passado o primeiro turno. Caberá a ele, agora, administrar a vitória e assegurar a unidade que os dois partidos consideram indispensável para ganhar de Lula.

Logo após o primeiro turno, o candidato tucano derrotado Geraldo Alckmin empenhou apoio a Kassab e declarou que Serra saíra fortalecido no PSDB. Dias antes, em Lisboa, o ex-presidente do DEM, Jorge Bornhausen, encontrou-se com um amigo brasileiro e vaticinou: uma chapa Serra-Aécio compõe de uma só penada São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os três maiores colégios eleitorais do país, e seria imbatível na eleição. O DEM já avisou que abre mão da indicação do vice, na chapa tucana se Aécio compuser com Serra. Geraldo Alckmin já confidenciou a tucanos que será candidato ao governo do Estado, em 2010. Pelo PSDB.

Acertada a composição política, o que não é fácil, Serra terá de acertar no comando do governo de São Paulo, onde deve ter uma demanda sindical crescente dos servidores, como ficou demonstrado com a greve em curso da polícia civil. Em Brasília, o governador e seus aliados monitoram dia e noite a questão fiscal. A oposição não tem dúvidas de que Lula deixará um rombo fiscal. Só o gasto já aprovado com a folha salarial, segundo calcula, deve ser cerca de 130% maior em 2012. Como esses gastos têm impacto também nas contas estaduais, a oposição, Serra e até governadores aliados devem se juntar no Congresso para tentar barrar mudanças em curso, como o fim do fator previdenciário. (Colaborou Raquel Ulhôa).