Título: Mais forte, PMDB enfrenta risco de racha
Autor: Ulhôa,
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2008, Política, p. A8

O bom desempenho nas eleições municipais e a perspectiva de ocupar a Presidência da Câmara nos dois últimos anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva elevaram a cotação do PMDB para na sucessão de 2010. Mas a força do partido, hoje ancorada em uma aparente unidade, volta a ser ameaçada pela histórica rivalidade entre as bancadas da Câmara e do Senado - racha que vem sendo mantido camuflado, em nome da adesão a Lula. Leo Pinheiro / Valor Michel Temer: "O mais provável, hoje, é que PT e PMDB estejam juntos em 2010; mas, em que condições os dois partidos estarão na chapa, o futuro é que vai dizer"

O PMDB sai das eleições municipais como campeão de votos (18.422.732 no primeiro turno, ou 18,6% do total recebido pelos partidos) e de prefeitos (1.195 em 5 de outubro) e vereadores (8.489) eleitos. Ganhou duas capitais no primeiro turno (Goiânia e Campo Grande) e quatro das seis que disputou ontem. Além disso, acertou ao aliar-se a Gilberto Kassab (DEM), vencedor em São Paulo, e teve papel relevante em Belo Horizonte, levando ao segundo turno Leonardo Quintão.

Somados aos sete governadores, 20 senadores e 96 deputados federais pemedebistas, os prefeitos e vereadores recém-eleitos mantêm o PMDB como maior partido do país. Portanto, fundamental para a estabilidade de qualquer governo, independentemente da matiz ideológica. Numericamente forte, mas sem candidato natural à Presidência da República, o partido ainda se mantém fiel a Lula e à aliança que dá sustentação ao governo. Mas, revigorado pelas eleições municipais, espera ter papel mais relevante em 2010.

No cenário considerado hoje mais realista - o desenhado por Lula -, o partido ocuparia a vice-presidência da chapa sucessória encabeçada pelo PT. Mas o partido acredita ter um leque de opções e nada é descartado a priori, nem o lançamento de candidato próprio. Essa alternativa, porém, dependeria da construção - ou atração - de um nome viável, hoje inexistente na legenda.

"O mais provável, hoje, é que PT e PMDB estejam juntos em 2010. Mas, em que condições os dois partidos estarão na chapa, o futuro é que vai dizer", afirma o presidente do partido, deputado Michel Temer (SP). Na tentativa de dar caráter nacional a lideranças regionais do PMDB, o líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), planeja a realização de encontros nacionais em 2009, forçando a presença, em diferentes Estados, de governadores e outros nomes pemedebistas de expressão apenas local.

Com seu mandato no comando do PMDB prorrogado por mais um ano, até março de 2010 - assim como os dos diretórios estaduais -, Temer afirma que o partido decidirá seu papel na sucessão presidencial apenas no final do ano que vem. "Vamos conversar unidos e em conjunto no final de 2009, embora nosso entrosamento com o presidente Lula seja verdadeiro", diz.

Até lá, outros fatores podem interferir na relação dos aliados, como a crise financeira global. Se os desdobramentos na economia do país afetarem a popularidade de Lula e, em conseqüência, reduzirem as chances de vitória do candidato petista à sucessão presidencial, o PMDB verá seu passe crescer: seja para encabeçar a chapa governista ou para aliar-se à oposição - pela qual o partido também é cobiçado.

A possibilidade de o governador mineiro Aécio Neves sair do PSDB para disputar a Presidência da República pelo PMDB é uma opção considerada hoje pelos dirigentes pemedebistas mais distante do que já foi no passado. Os resultados das eleições em nada favoreceram o projeto. O cenário pensado era o seguinte: Márcio Lacerda (PSB) seria eleito prefeito de Belo Horizonte no primeiro turno e Geraldo Alckmin (PSDB) ganharia em São Paulo e imediatamente lançaria a candidatura de Aécio.

Isso certamente provocaria reação do governador tucano José Serra (SP) e seus aliados no PSDB. Seria o mote para Aécio alegar estar sendo preterido no partido, justificando, assim, sua ida para o PMDB, sem ferir a legislação da fidelidade partidária (alegaria perseguição do PSDB). Mas Alckmin foi derrotado logo no primeiro turno e Lacerda teve de enfrentar o segundo. As duas estratégias de Aécio falharam e ele saiu enfraquecido.

Passada a eleição municipal, a prioridade do PMDB, agora, é a eleição de Michel Temer para presidir a Câmara, em fevereiro de 2009. O mandato vai até o início de 2011, portanto depois da eleição do sucessor de Lula. Além da condução dos trabalhos e articulações da Câmara nesse biênio, o presidente da Casa tem papel estratégico: é o segundo na linha sucessória presidencial. Ele ocupa a Presidência da República na ausência do titular e do vice.

Temer tem apoio de Lula e do atual presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para voltar ao cargo que já ocupou (1997-98 e 1999-2000). Mas a campanha anda exigindo muita negociação. A candidatura de Temer virou peça de uma disputa entre PT e a bancada de senadores do PMDB por mais espaço.

Para apoiar Temer, o PT cobra do PMDB reciprocidade no Senado, na tentativa de eleger um petista presidente da casa. A líder da bancada, Ideli Salvatti (SC), lançou o nome de Tião Viana (PT-AC), mas o PMDB, que teria direito ao cargo por ser a maior bancada, faz jogo duro - e duplo.

Por um lado, os senadores dizem que a eleição de Temer na Câmara é a prioridade do partido e que o Senado não será obstáculo. Mas o grupo de Renan Calheiros (AL) e Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado, resiste ao nome de Tião e ainda não abriu mão da vaga. Isso prova que a antiga rivalidade entre as bancadas continua forte, embora tenham se unido nos últimos anos em torno do apoio ao governo Lula.

O comportamento de Renan é visto como uma jogada para conseguir mais espaço no governo. O PMDB já tem seis ministérios, dos quais dois na cota da Câmara (Integração Nacional e Agricultura), dois na do Senado (Comunicações e Minas e Energia) e dois na cota de Lula (Defesa e Saúde).

Se é essa a pretensão dos senadores, vai encontrar resistência da Câmara. "Não vamos querer tomar espaço de ninguém. Está de bom tamanho o espaço do PMDB, de acordo com sua força. Para quê tirar espaço de outro? Para quê brigar? ", pergunta o líder Henrique Alves. Segundo ele, PMDB e aliados têm que se preparar para a "guerra maior": a de 2010. "O papel do PMDB é solidificar essa base", diz ele. Mas isso, para ele, não significa necessariamente ser vice do PT. "A chapa ainda não está decidida. É uma construção. Tem um ano para isso", completa.

Na tentativa de compor com o Senado, o grupo da Câmara acena com a possibilidade de ceder a presidência do partido a um senador. Temer é presidente há sete anos. Mas ele avisa que não pretende deflagrar o processo sucessório agora. "Sou presidente do partido até 2010", diz. (Colaborou Raymundo Costa, de Brasília)