Título: Empresários e Antaq resgatam projeto de hidrovia
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2008, Brasil, p. A4

Um consórcio de empresários e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) resgataram o projeto de implantação de uma hidrovia de 1.576 quilômetros que cortará os Estados do Mato Grosso e Pará, criando uma alternativa nova e mais barata de escoamento da produção do agronegócio. Com custo estimado pela iniciativa privada em US$ 400 milhões a US$ 450 milhões, o projeto da hidrovia Teles Pires-Tapajós foi feito originalmente em 1994, mas a alta complexidade ambiental e a viabilidade econômica duvidosa levaram ao abandono dos estudos.

No ano passado, a Vanguarda (produtora de grãos, carnes, algodão, fibras e óleos vegetais no Mato Grosso) e a Montana (fabricante de máquinas agrícolas sediada no Paraná) se juntaram em um consórcio que batizaram como Vamont. Levantaram os antigos anteprojetos da hidrovia, fizeram novas avaliações ambientais e demonstraram à Antaq que o empreendimento pode ser viável. Como não há um marco regulatório específico que permita ou proíba a participação privada em hidrovias, a Vamont agora está contratando o escritório de advocacia Machado Meyer para estruturar o caminho jurídico e a consultoria KPMG para a modelagem econômico-financeira.

"Entendemos que há plena viabilidade no negócio", afirma Antônio Carlos Iurk, coordenador do consórcio e diretor da ECOBR Engenharia Ambiental, escritório responsável pelos novos estudos realizados para a Vamont. "Temos capital para construir a hidrovia. Depende apenas de um sinal verde do governo", diz ele.

Há potenciais complicadores no desenrolar do projeto. No trajeto da hidrovia existem 30 unidades de conservação - o parque nacional da Amazônia, a floresta de Itaituba e a reserva extrativista do Tapajós estão entre elas. Ela também passa por áreas indígenas demarcadas das tribos Munduruku, Saí-Cinza e Kayabi. É preciso elaborar um estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) e articular cada passo com órgãos como o Ibama e a Funai. "Os impactos são baixos. A hidrovia é uma solução para as unidades de conservação", defende o coordenador do consórcio. Segundo ele, o projeto já conta com declarações de anuência e interesse de 60 municípios de Mato Grosso.

Paralelamente à disposição empresarial de investir na hidrovia, a Antaq vinha estudando a retomada do projeto e se animou com o entusiasmo do setor privado. Nas últimas semanas, a obra foi tema de reuniões entre o diretor-geral da agência, Fernando Fialho, e vários ministros - Alfredo Nascimento (Transportes), Edison Lobão (Minas e Energia) e Carlos Minc (Meio Ambiente).

Fialho tem se esforçado para demonstrar aos demais órgãos que este é o momento de apostar na hidrovia. Não só porque ela tem o potencial de derrubar os preços de produtos agropecuários no mercado interno, aumentar a competitividade das exportações e deixar mais dinheiro no bolso dos agricultores, como argumenta ele. Mas principalmente porque esses benefícios só devem sair do papel se a decisão de construir a hidrovia for tomada antes da chegada de usinas hidrelétricas na região.

Tradicionalmente, o setor elétrico tem sido mais ágil que o de transportes ao planejar seus passos seguintes. Sempre receoso de futuros apagões, o governo vem leiloando usinas sem a exigência concomitante de construção das eclusas necessárias para driblar as quedas d"água. Foi isso o que ocorreu, por exemplo, na licitação das hidrelétricas do rio Madeira. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que, se forem construídas depois das usinas e não ao mesmo tempo ou antes, as eclusas custam até 30% mais.

No caso dos rios Teles Pires e Tapajós, a Empresa de Planejamento Energético (EPE) prevê pelo menos seis hidrelétricas. No Teles Pires, há cinco usinas - com capacidade para quase 3 mil megawatts (MW) - já inventariadas e com os estudos de viabilidade técnica e econômica em andamento. A idéia é começar a licitá-las em 2010. No caso do Tapajós, o grande aproveitamento é São Luís, cujos estudos de inventário estão sendo feitos atualmente e com potencial previsto para gerar até 11 mil MW - o dobro das hidrelétricas do Madeira. Nesse caso, os leilões dificilmente saem antes de 2012.

"O momento de conceber essa hidrovia é agora, enquanto as usinas estão em planejamento", observa Fialho. "Se deixarmos mais para frente, o mais provável é que ninguém vá mexer nisso."

Ele reconhece que há pouca clareza sobre a possibilidade de fazer o corredor hidroviário por concessão ou parceria público-privada (PPP), mas afirma que o governo deverá se debruçar em breve sobre uma modelagem específica para essa modalidade de transporte.

Por ora, a Antaq tenta convencer o governo da importância do projeto. Fialho diz que tem sido bem-sucedido e obteve apoio de Nascimento, Minc e Lobão. A obra do corredor é vista em duas fases: primeiro de Santarém (PA) a Alta Floresta (MT), depois de Alta Floresta a Sinop (MT). Na primeira fase, o grande obstáculo é a cachoeira de São Luís do Tapajós. Na segunda, já no Teles Pires, as barragens e eclusas são menores. Em ambas as etapas, há necessidade de dragagem e obras de derrocamento.

Para minimizar os impactos ambientais, Fialho ressalta que o projeto não prevê terminais de embarque e desembarque entre Cachoeira Rasteira e Itaituba, no Pará. A Antaq apresentou cálculos que detalham os ganhos em termos de redução nas emissões de gases do efeito estufa. Cada comboio, formado por seis barcaças com capacidade para carregar 900 toneladas cada uma, transporta o mesmo volume que 210 carretas cheias. Para transportar 5 milhões de toneladas de grãos por ano, gastam-se 161 milhões de litros de combustível numa viagem rodoviária de Sorriso (MT) ao porto de Santos, com a emissão de 922 toneladas de monóxido de carbono e 5.002 toneladas de óxidos nítricos. Pela BR-163, entre Sorriso e Santarém, são 99 milhões de litros, 573 toneladas de CO e 3.088 toneladas de NOx. Ao utilizar a futura hidrovia, entre Sinop e Santarém, gastam-se 27 milhões de litros de combustível, são emitidas 202 toneladas de CO e 2.053 de NOx.

"Para botar no oceano uma tonelada de qualquer produto agrícola, saindo de Nova Mutum ou de Lucas do Rio Verde, os produtores precisam desembolsar US$ 100 por toneladas. Pela Teles Pires-Tapajós, sai US$ 30. Imagina como isso tem impacto para quem exporta milhares de toneladas", reforça Antônio Carlos Iurk. O escoamento para exportação seria feito pelo porto de Santarém.