Título: Perda com derivativo não terá dedução no IR
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2008, Brasil, p. A4

As companhias que fizeram contratos financeiros com derivativos cambiais em valores além do necessário para proteger suas operações reais de comércio exterior poderão sofrer uma forte mordida tributária. A legislação do Imposto de Renda (IR) permite a dedução imediata e integral somente das perdas com derivativos que tenham função de hedge. Ou seja, que tenham sido contratados especificamente para proteção contra efeitos de oscilação de preços ou de taxas sobre ativos ou passivos da companhia. "Fora isso, o hedge é considerado especulativo", resume o consultor Luís Rogério Farinelli, do Machado Associados. Davilym Dourado / Valor Gustavo Lian Haddad, do Lefosse Advogados: "Essa tributação pesará bastante para as empresas".

Nos casos de derivativo especulativo, portanto, a eventual perda não poderá ser descontada integralmente no cálculo do IR. Nesses casos, a perda só é dedutível até o limite dos ganhos obtidos em renda variável durante o ano. A diferença deve ser somada ao lucro contábil no momento do cálculo do imposto. Na prática, paga-se 25% sobre esse prejuízo. "O problema é que durante este ano, em muitos casos, dificilmente as grandes perdas conseguirão ser superadas ou mesmo alcançadas pelos ganhos do mesmo período", diz o consultor.

Para tributaristas ouvidos pelo Valor, a norma tributária não deixa dúvidas, é difícil de ser questionada e faz sentido dentro do princípio de que são dedutíveis para o IR somente as despesas operacionais da empresa. "As eventuais perdas em derivativos com função de hedge são integralmente dedutíveis do imposto, porque a função é proteger os ativos e passivos operacionais da empresa", explica o advogado Paulo Vaz, do Levy & Salomão, escritório especializado em tributação de produtos financeiros. "Se o derivativo não tinha função de proteção, não era intrínseco à atividade operacional da empresa. Isso torna o derivativo simples aplicação financeira de risco. " E a regra para esses casos, explica, é a dedução somente até o limite de ganhos em renda variável.

Vaz lembra que a norma vale para as empresas não-financeiras. O setor financeiro segue normas completamente diferentes, pelas quais a regra geral é a dedutibilidade. "Essa norma diferenciada também acompanha a mesma lógica de permitir a dedução de despesas operacionais, já que as aplicações em derivativos são parte da atividade das empresas financeiras. Ou seja, para as financeiras, esses contratos são operacionais."

Se a empresa não for financeira e não tiver em 2008 ganhos em renda variável suficientes para cobrir todas as perdas que ela teve com os derivativos contratados sem função de hedge, ela paga IR sobre a diferença.

O consultor Gustavo Lian Haddad, do Lefosse Advogados, lembra que a a diferença será uma adição temporária na base de cálculo do Imposto de Renda. Isso quer dizer que essa perda pode ser carregada para os exercícios seguintes e ser deduzida à medida que forem surgindo outros ganhos em renda variável. A diferença, porém, só se tornará dedutível à medida que os ganhos em renda variável "cobrirem" as perdas.

"O problema é quanto tempo ela vai demorar para conseguir ganhos suficientes para alcançar essa diferença", diz Farinelli. Em relação a 2008, diz, as companhias estarão sujeitas a arcar não só com o prejuízo nos contratos de derivativo em si, mas também com o IR. "Essa tributação pesará bastante para as empresas", acredita Haddad. "Alguns achavam que o prejuízo seria totalmente dividido com o fisco. Mas não é bem assim", resume Farinelli.

Vaz acredita que em alguns casos poderá haver discussão sobre a natureza do derivativo. "Mas para comprovar a função de hedge é necessário que haja correlação de valores razoável entre o derivativo contratado e os ativos e passivos a serem protegidos", considera ele. "É difícil defender a função de proteção de um derivativo dez vezes maior que o ativo ou passivo a ser protegido. Além disso a legislação traz uma definição do que pode ser caracterizado como hedge", diz Vaz.

Farinelli diz que é possível questionar as restrições à dedução integral das perdas com base no conceito de renda. "Como a empresa teve prejuízos efetivos com as operações, ela pode alegar que o IR está sendo pago sobre um valor que não pode ser tratado como renda", diz. Ele mesmo, porém, adianta que se trata de um argumento que pode ser avaliado como frágil diante da atual jurisprudência administrativa.

Os tributaristas lembram que, além de pagar o IR, as empresas provavelmente ficarão sujeitas à cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre as mesmas perdas. A Receita Federal, explica Vaz, usualmente costuma aplicar para a CSLL os mesmos critérios de cobrança do IR. Ao contrário da discussão sobre Imposto de Renda, porém, a cobrança da CSLL pode ser questionada, numa discussão que, segundo os advogados, tem chance de êxito para as empresas. "Não há norma que restrinja a dedutibilidade dessas perdas para a CSLL e o Conselho de Contribuintes já deu várias decisões favoráveis às empresas em casos em que a Receita quer cobrar a contribuição com base na legislação do IR", conta Vaz.