Título: União Européia convoca Brasil a retomar as negociações de Doha
Autor: Bouças , Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 29/01/0200, Brasil, p. A2

A necessidade de novas regulamentações para o mercado internacional diante do agravamento da crise está levando as grandes potências a redobrar esforços para retomar as negociações da Rodada de Doha, que ficaram paralisadas desde as reuniões realizadas em julho. Representantes da União Européia, que participaram do 15º Fórum Brasil Europa realizado ontem pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), demonstraram interesse em acertar arestas para fechar a Rodada o mais breve possível e afirmaram haver disposição do bloco em fechar acordos bilaterais, caso as negociações de Doha e entre Mercosul e UE não avancem. Gustavo Lourencao / Valor

Para o embaixador João Pacheco, "protecionismo é a pior resposta à crise"

O embaixador da Delegação da Comissão Européia João Pacheco afirmou que, diante da dificuldade de um acordo multilateral, a União Européia teria interesse em finalizar acordos com o Brasil, sobretudo nas áreas de biocombustíveis e energia nuclear. "Os países da Europa e Brasil têm valores comuns e com base neles é possível estreitar as relações comerciais, o que o bloco considera fundamental para garantir o ritmo de negócios no período de crise", afirmou Pacheco. Ele ponderou, no entanto, que para reduzir as tarifas alfandegárias impostas sobre produtos brasileiros, a União Européia exige a criação de programas de certificação garantindo que a produção brasileira é feita sob condições sócio-ambientalmente sustentáveis.

A prioridade, no entanto, é concluir as negociações da Rodada de Doha - o que segundo Pacheco deve preceder inclusive o acordo UE-Mercosul. "Doha oferece oportunidades de dar uma resposta à crise internacional por meio da solidariedade. O que se viu na história foi o aumento das restrições comerciais pelos países diante das crises internacionais. E o protecionismo é a pior resposta à crise. Está na hora de contrariar a História", afirmou. Ele defendeu que a revisão de tarifas seja feita em nível global, para em seguida os blocos fazerem as negociações setoriais.

De acordo com o ministro-presidente de Nordrhein-Westfalen, Jürgen Rüttgers, a crise internacional gerará uma redistribuição das forças geopolíticas e, neste momento, nenhum país ou bloco é capaz de sobreviver à crise de forma isolada. Por isso, a Europa tem buscado reforçar os acordos com os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e com blocos, como Mercosul, Comunidade do Mercado Comum das Caraíbas (Caricon), grupo ACP (Ásia, Caribe e Pacífico) e cinco grupos de países da África. "Acordos birregionais são uma oportunidade no novo cenário econômico global", afirmou.

Rüttgers observou que a União Européia tem encontrado dificuldades para fechar esses acordos em bloco, em parte devido à falta de consenso dentro dos blocos. "As divergências entre Brasil e Argentina não são um caso exclusivo", disse. E também reafirmou a nova posição da Europa, de disposição a "ser mais pragmática" e fechar acordos bilaterais com os países (como tem feito com Peru e Colômbia devido às dificuldades em avançar nas negociações com o grupo andino) se não houver avanços no bloco. "Isso desde que o acordo com o país não provoque um racha no bloco em questão."

O embaixador João Pacheco afirmou também que, no caso nas negociações entre UE e Brasil, o bloco europeu está disposto a rever as barreiras tarifárias impostas aos produtos agrícolas se o governo brasileiro reduzir as exigências na área industrial.

Do lado brasileiro, o chefe do Departamento de Negociações Internacionais do Ministério de Relações Exteriores e embaixador, Evandro de Sampaio Didonet, afirmou que as empresas brasileiras encontram-se em uma situação mais favorável que em anos anteriores, em função da alta do dólar frente ao real, o que eleva a competitividade das indústrias exportadoras e poderia facilitar a renegociação de tarifas na área industrial. "Há interesses de ambos os lados por convergir as discussões para avançar nos acordos, mas ainda não vejo uma possibilidade de fechamento de acordo no curto prazo", afirmou. O governo brasileiro, disse, tem priorizado os acordos de livre comércio ou preferências tarifárias com México, Comunidade Andina, países do Golfo e Israel.