Título: Safra combaterá inflação
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 10/02/2010, Economia, p. 10

Colheita elevada e mercado externo sem capacidade para importar farão ruralistas despejarem no país os estoques excedentes, pressionando preços dos alimentos para baixo

Plantação de algodão: produção agrícola ficará entre 7,2% e 5,9% maior que a do ciclo anterior e pouco abaixo do recorde de 144 milhões de toneladas

Graças a uma rara combinação de fatores, entre os quais, clima favorável, aumento da produtividade nas lavouras e demanda externa ainda tímida, os alimentos vão ajudar a combater a inflação. Em um ano agrícola considerado excepcional pelos produtores, alguns dos itens mais presentes na mesa do brasileiro terão preços baixos em 2010. A boa safra que se anuncia jogará a favor do consumidor, protegendo principalmente os bolsos das famílias de baixa renda.

Em relação ao ano passado, produtos como feijão, soja, algodão e milho já estão sendo colhidos em qualidade e quantidade superiores. O reflexo desse movimento deverá chegar aos supermercados em um ou dois meses na forma de promoções. Isso porque o mercado internacional não se abriu completamente e o Brasil, na condição de exportador pleno, despeja no mercado interno boa parte da produção que embarcaria para outros países. Analistas agrícolas acreditam que até mesmo os produtos industrializados fabricados à base dessas commodities ¿ itens primários produzidos em escala mundial e comercializados em Bolsa ¿ poderão se beneficiar de descontos.

Gian Barbosa, economista da Consultoria Tendências, explica que nem de longe o comportamento dos preços dos alimentos preocupa. ¿Nas análises que fazemos não observamos nenhum risco de alta. Ao contrário¿, resume. Segundo ele, o salto na inflação oficial de janeiro medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi pontual e não contaminará os resultados dos próximos meses. ¿O que houve em janeiro surpreendeu, mas passou¿, completa. A comida e o transporte público foram os grupos que mais influenciaram o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no mês passado, que apresentou variação de 0,75% ¿ o dobro da taxa de 0,37% registrada em dezembro de 2009.

As previsões oficiais indicam que o campo terá a segunda melhor safra de grãos da história. Levantamentos divulgados ontem pelo IBGE e pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam para um saldo na casa de 143 milhões de toneladas ¿ 7,2% ou 5,9% maior do que o apurado no ciclo anterior, dependendo do critério adotado por um ou outro órgão público de pesquisa. O recorde na colheita de grãos no país ocorreu no ano agrícola 2007/2008 (144,1 milhões de toneladas). No ano passado, o país colheu 135 milhões de toneladas.

Commodities

A soja, estrela absoluta do agronegócio, caminha a passos largos para bater recorde de produção, com previsão de cerca de 67 milhões de toneladas. Feijão e milho melhoraram a produtividade em relação ao período anterior. Já o algodão, contrariando todas as previsões, voltou a ser plantado e deve apresentar resultados favoráveis no saldo final da safra. Apenas o arroz tem queda esperada na produção. As apostas dos empresários brasileiros levam em conta o comportamento dos preços internacionais.

Nas últimas semanas, as commodities perderam valor. O ajuste é resultado das safras de grãos nos Estados Unidos e na Argentina, que, assim como no Brasil, devem alcançar bons resultados. Fernando Muraro, analista da Consultoria AgRural, o produtor que quiser obter alguma rentabilidade na exportação deve aguardar. ¿O pior momento para vender é agora¿, justifica. A estratégia, no entanto, não deverá ser seguida por todos, o que beneficiará a demanda interna em pouco tempo.

Neste ano, o plantio e a colheita foram antecipados justamente para que os exportadores tivessem alguma margem de manobra. No caso da soja, só em janeiro, foi colhido quase um terço de tudo o que é esperado para a atual safra. Atrás dos melhores preços possíveis, os produtores mais organizados foram ao mercado fechar contratos de olho na China e em emergentes como a Índia. O problema, no entanto, é que a recuperação do fôlego comprador desses países têm sido lenta para a maioria dos produtos vendidos pelo Brasil.

O pior momento para vender é agora¿

Fernando Muraro, analista da Consultoria AgRural

Alta produtividade ameaça renda no campo Wilson Dias/ABr - 7/1/10 Stephanes, da Agricultura: ¿Valores muito baixos podem complicar¿

As oleaginosas como a soja foram as culturas mais beneficiadas pelo clima, e a colheita deverá ficar em 66,73 milhões de toneladas para a safra 2009/2010, superando em 9,57 milhões de toneladas, ou 16,7%, a safra anterior, que foi de 57,17 milhões de toneladas. Os números positivos, no entanto, preocupam o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, porque poderão resultar em queda excessiva de preços, o que não é bom para o produtor.

A produção nacional de grãos da safra 2009/2010 é o segundo melhor resultado da história e deverá chegar a 143,09 milhões de toneladas. ¿Nossa grande preocupação é com os preços. A dos produtores também, porque à medida que a safra apresenta números tão bons, os preços tendem a cair, e valores muito baixos podem complicar¿, disse o ministro, ao divulgar o quinto levantamento relativo à safra de grãos.

A primeira safra do feijão registrou alta de produção ¿ aumento de 10,6% e previsão de colheita de 142,1 mil toneladas. A produção de algodão também foi ampliada: 2,1%, o equivalente a 40 mil toneladas. Ainda que beneficiado pelo clima, o milho registrou queda de 3,8% ¿ ou 1,29 milhão de toneladas ¿ na produção, devido à redução da área plantada destinada ao produto, que foi estimada em -1,11 milhão hectares para a primeira safra, e em -164,2 mil hectares para a segunda.

A área total plantada destinada a grãos está calculada em 47,65 milhões de hectares, 22,8 mil hectares a menos do que na safra anterior. Com exceção da soja e do feijão de primeira safra, as demais culturas pesquisadas tiveram diminuição de área. A redução destinada ao plantio de algodão foi de 25,6 mil hectares, e a de arroz, de 113,9 mil. ¿As chuvas, por um lado, atrapalhavam a colheita de trigo e de cana-de-açúcar da safra anterior, mas acabaram beneficiando a safra atual. A exceção é o arroz, que teve prejuízo bastante grande no Rio Grande do Sul, com queda de 8,7%, equivalente a 1,1 milhão de toneladas.¿

No entanto, acrescentou Stephanes, os preços do arroz estão no mesmo nível de seis meses ou um ano atrás. ¿Já estiveram a R$ 35 a saca, caíram a até R$ 26 e agora estão a R$ 32. Ou seja, estão ligeiramente abaixo do que já estiveram e um pouco acima de seu valor histórico.¿ Ele acredita que, para compensar o pequeno estoque, o país poderá importar arroz do Uruguai e da Argentina. ¿Mas isso acaba se equilibrando e não haverá maiores problemas¿, afirmou.

Segundo o ministro, há problemas muito grandes na área de escoamento, principalmente para ¿regiões mais longínquas¿, como Mato Grosso. ¿O transporte de milho, por exemplo, é mais caro do que o próprio milho. Isso passa para o custo dos insumos, e acaba atingindo outros produtos, como a soja e a carne.¿ A pesquisa de campo foi realizada pelos técnicos da Conab entre 18 e 22 de janeiro.

PROBLEMAS NA CONAB O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontando irregularidades na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) está correto, segundo o ministro da agricultura, Reinhold Stephanes. Os problemas detectados, disse, estão sendo combatidos. ¿O que existe na Conab são problemas estruturais e gerenciais que são conhecidos e têm origem há mais de dez anos¿. O TCU expôs a contratação pela Conab de 48 empresas que tinham débitos para a armazenagem de estoques públicos. O documento afirma que a Conab sequer tem um sistema adequado de gerenciamento de ativos, o que resultaria em diferenças significativas entre a posição de estoques mantida pela matriz e pelas superintendências regionais. ¿Daremos todas as respostas ao TCU¿, garantiu Stephanes.