Título: Cientistas temem que crise reduza verbas de pesquisas sobre clima
Autor: Barros,Bettina
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2008, Brasil, p. A4

A crise financeira global preocupa representantes da comunidade científica brasileira, que temem o impacto que ela pode ter sobre uma das frentes de pesquisa mais promissoras em questão de mudança climática: a modificação genética das plantas.

"Nunca vamos precisar tanto dos transgênicos quanto no futuro e tememos que a crise atinja o financiamento das pesquisas", afirmou Guilherme Dias, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP). "Nós teremos de buscar a economia da água na planta e isso só se conseguirá via transgenia", defendeu, liderando o coro de especialistas reunidos no seminário "Mudanças Climáticas: Cenários e Soluções para a Agricultura", realizado ontem em São Paulo pelo Valor.

Com perspectivas econômicas adversas para o próximo ano e o adiamento de investimentos anunciado pelas empresas, o temor é que o financiamento - privado e público - esvazie projetos já historicamente rejeitados por alguns setores da sociedade, dados os impactos incertos sobre o ambiente e o homem.

"O melhoramento não é feito de uma hora para a outra", acrescentou Humberto Justus Brito, assessor técnico de meio ambiente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Ele lembrou culturas de clima temperado antes confinadas a determinadas regiões e que hoje ganharam novas áreas no país - o trigo, do Sul para o Centro-Oeste, e o arroz, do irrigado para o de cerqueiro, cultivado sobretudo no Mato Grosso. Prova de que o agronegócio brasileiro derrubou barreiras é o crescimento, em volume, de 110% no período de 1991 e 2008. "Não deveríamos nos assustar com o aquecimento global. A agricultura é adaptável, mas isso leva tempo", afirmou.

Há dois anos, a Embrapa Cerrados, uma das mais ativas nesse aspecto, finalizou um amplo mapeamento de plantas do bioma com tolerância à seca. De 22.800 espécies analisadas, 28 foram identificadas como aptas à pesquisa genética - além da tolerância à falta de água, são encontradas por todo o cerrado.

"Seus genes podem ser utilizados para pesquisa em soja e milho, por exemplo", afirmou Hilton Pinto, professor-associado do Instituto de Biologia da Universidade de Campinas (Unicamp). "Estamos apresentando o estudo a outros pesquisadores, para que eles o utilizem como base para uma planta modelo". É como uma encomenda de plantas, diz o pesquisador. "Pedimos à Embrapa que desenvolvesse uma soja que aguentasse elevação de até 2°C."

A Embrapa Meio Ambiente também vem aplicando há alguns a transgenia para o melhoramento do pasto. Os estudos, ainda em fase incipiente, têm como objetivo alterar o processo de digestão dos ruminantes que resulta em emissões de metano.

Apesar da forte resistência no país às pesquisas genéticas, o Brasil já aprovou seis variedades transgênicas liberadas para plantio comercial - uma de soja, três de milho e duas de algodão.

Segundo a Embrapa, é possível mitigar até 6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) emitidos no mundo com melhoramento na agricultura. O gás é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global e, por isso, a pesquisa é fundamental.