Título: Câmara aprova primeira MP anticrise
Autor: Izaguirre , Mônica ; Lyra , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2008, Política, p. A6

Os encontros do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com líderes partidários da Câmara e do Senado, ontem à tarde, reduziram o clima de animosidade criado pela edição da Medida Provisória 443, na semana passada, e asseguraram aprovação, pelos deputados, da MP 442, editada em 6 de outubro. A primeira das duas MPs anticrise foi aprovada ontem à noite, na forma do projeto de conversão proposto pelo relator, deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), com o voto favorável dos principais partidos de oposição. Só o P-SOL recomendou voto contra. Sérgio Lima/Folha Imagem

Mantega reunido com líderes da Câmara e do Senado: diminuição da animosidade garante votação de pelo menos uma medida provisória do pacote anticrise

Falta agora a análise pelo Senado. A MP submetida à Câmara, ontem, é a que amplia as linhas de socorro financeiro do Banco Central ao sistema bancário, permitindo que a autarquia aceite em garantia carteiras de crédito e ativos em moeda nacional ou estrangeira.

Além de contribuir para aprovação da 442, a presença de Mantega no Parlamento, ontem, abriu negociações com os oposicionistas em torno da 443, medida que permite ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal adquirir bancos e, no caso da Caixa, também construtoras. O ministro só não conseguiu contornar a disposição do PSDB, do DEM e do PPS de obstruir a votação do Fundo Soberano do Brasil, cujo projeto de lei volta hoje à ordem do dia do plenário da Câmara.

Independentemente do que acontecer hoje com o projeto do fundo soberano, as negociações em torno da MP 443, a ser votada na Câmara a partir de 5 de novembro, vão prosseguir. Até o DEM, partido de oposição que mais resiste em aceitá-la, se mostrou disposto a não obstruir a medida. Existe chance até de o partido votar a favor, se o governo e sua base parlamentar concordarem com uma série de ajustes no texto, entre eles a fixação de um prazo de validade.

A proposta do Democratas é que a autorização dada ao BB e à Caixa vigore por dois anos, prorrogáveis por mais dois, em caso de necessidade. Segundo o senador Renato Casagrande (PSB-ES), líder de seu partido, o ministro Mantega concordou em limitar no tempo a possibilidade de estatização de bancos e construtoras aberta pela MP 443.

O líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), também admitiu que seria "positivo" assegurar que não será eterna a autorização para que os dois maiores bancos federais comerciais adquiram participações ou mesmo o controle de empresas financeiras e não-financeiras.

O DEM prefere que as aquisições sejam feitas diretamente pelo Tesouro Nacional, controlador da Caixa e do BB. A possibilidade de aceitação de uma emenda nesse sentido, porém, foi imediatamente descartada pelo ministro da Fazenda. Segundo Mantega, na hipótese de aquisição direta, o investimento impactaria imediatamente como gasto primário, afetando, portanto, o superávit primário, num momento em que a crise recomenda cuidado com os indicadores fiscais. Mesmo sendo estatais, por serem instituições financeiras, o BB e a Caixa não entram na apuração do resultado primário. Por isso, fazendo as aquisições via esses bancos, o governo evita impacto no superávit.

Sem se referir especificamente a esse ponto, o líder do DEM na Câmara, deputado ACM Neto (BA), disse que as alterações pedidas na 443 são necessárias para evitar que o Congresso dê ao BB e à Caixa um cheque em branco. "Do jeito que está o texto, não dá nem para assegurar que não vamos obstruir a votação, pois a MP permite que esses bancos estatais façam o que quiserem, na hora que quiserem".

O PSDB, por sua vez, está mais preocupado em negociar com os governistas emendas que garantam ao Congresso visibilidade e controle sobre as operações a serem feitas com base na MP 443. "Os mecanismos de fiscalização e controle não estão bem definidos na MP. Essas operações exigem muito zelo", disse o deputado José Aníbal (SP), líder do partido na Câmara. Ele informou que, além de ajustes no texto, a oposição faz questão de que seja formada, no caso da 443, a comissão mista regimentalmente prevista para analisar a MP. Na prática, essa comissão quase nunca é formada. A principal alteração defendida pelo PSDB será derrubar a criação da CEFpar, subsidiária da Caixa que poderá comprar construtoras imobiliárias em dificuldades. "Não queremos adotar a política do quanto pior, melhor. O PSDB está falando sério. É preciso saber se o presidente da República também está", disse o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE).

O partido vai reunir na próxima semana, em Brasília, seu conselho político especial, formado por políticos com ou sem mandato, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo Guerra, nos últimos dias representantes da legenda conversaram com empresários, trabalhadores e políticos. Todos afirmaram que as medidas tomadas recentemente pelo governo - inclusive a diminuição do compulsório bancário para assegurar a liquidez do mercado - não estão chegando na ponta do sistema.

Na avaliação da executiva tucana, que reuniu-se na tarde de ontem, em Brasília, a crise é mais grave do que as avaliações feitas pelo governo nos últimos dias - especialmente pelo presidente Luiz Inácio Lula Silva e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Lula diz uma coisa e o Banco Central age de forma diferente, mostrando que o cenário é muito pior do que o pintado por outros setores do governo", prosseguiu Guerra.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que participou de um seminário sobre a crise em Brasília pela manhã e chegou à reunião da Executiva acompanhado de economistas do partido, queixou-se da MP 443: "Não há nenhuma razão para se criar uma subsidiária da Caixa. Já existe o BNDESpar. Ao dar superpoderes ao Banco do Brasil e à Caixa, o governo acaba gerando intranqüilidade ao mercado, o que só piora as coisas", disse Tasso.

O apoio da maior parte da oposição à MP 442, ontem, não foi fruto apenas do esforço do ministro Guido Mantega em mostrar a sua necessidade como instrumento de combate à crise. Também pesou a aceitação, tanto pelo governo e quanto pelo relator, de diversas emendas ao texto original. As alterações foram principalmente no sentido de estabelecer mecanismo de controle do Congresso.

Por emenda do deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), o BC será obrigado a mandar relatórios trimestrais ao Parlamento, com dados sobre a concessão de empréstimos ao sistema bancário no âmbito da MP. Outra emenda acatada, do senador Pedro Simon (PMDB-RS), exige que o presidente do BC, Henrique Meirelles, compareça mensalmente para audiências públicas com os parlamentares sobre a crise, enquanto ela durar.

Também foi acolhida, de última hora, emenda do deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP) estabelecendo a indisponibilidade de bens dos controladores do banco socorrido em caso de inadimplência da operação, a partir de 30 dias. O relator em princípio achava desnecessária essa emenda, uma vez que a legislação já prevê indisponibilidade em casos de intervenção ou liquidação de bancos pelo BC, o que necessariamente acontece em casos de inadimplência de operações de redesconto. Mas Loures acabou cedendo para facilitar aprovação da MP. Não foi necessário incluir nenhum mecanismo novo de combate à crise, o que chegou a ser cogitado pelo deputado na sexta-feira.

Entre as emendas acolhidas e aprovadas ontem, também está uma que diz respeito às operações de arrendamento mercantil, outro objeto da MP 442. A emenda consolida o entendimento da Justiça de que não é necessário registro da operação em cartório, quando se tratar de leasing ou financiamento de veículo automotor, uma vez que dados sobre propriedade e alienação fiduciária já constam na documentação emitida pelo Detran.