Título: Energia pode ajudar a renovar relação dos EUA com Brasil e AL
Autor: Balthazar , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2008, Internacional, p. A9

No fim de agosto, o embaixador do Brasil em Washington, Antonio Patriota, pôs num envelope pardo uma carta de quatro páginas endereçada ao senador Barack Obama. Ela foi assinada por ele e pelos representantes de outros quatro países latino-americanos, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. O assessor de Obama que recebeu o documento, Dan Restrepo, guardou o envelope sem examinar seu conteúdo e nunca mais viu a carta.

Os Estados Unidos provavelmente continuarão prestando pouca atenção ao Brasil e vizinhos depois que o presidente George W. Bush deixar a Casa Branca. Seu sucessor, que será escolhido nas eleições da próxima terça-feira, assumirá o cargo em janeiro com duas guerras para administrar, a economia mergulhada numa recessão e o sistema financeiro respirando com ajuda de aparelhos.

Mas é provável que isso não faça muita diferença. "Os EUA são vistos cada vez mais como um ator secundário na região", disse na semana passada Julia Szweig, diretora do Conselho de Relações Exteriores, influente centro de estudos, num debate no Congresso americano. "A América Latina não está exatamente esperando ser salva pelos EUA como antigamente."

Uma pesquisa feita pelo Latinobarómetro em vários países da região nas últimas semanas sugere que pouca gente na América Latina compartilha do entusiasmo que a eleição americana desperta em outras partes do mundo. Apenas 22% acreditam que o resultado mudará alguma coisa para seu país. Convidados a escolher entre Barack Obama e John McCain, 63% disseram que não têm nenhuma preferência.

Se as pesquisas de intenção de voto estiverem certas, o vencedor da eleição de terça será Obama, que é do Partido Democrata e faz oposição a Bush. Ele nunca visitou a América Latina e até poucos meses atrás tinha dificuldade para lembrar o nome de qualquer outro presidente da região que não fosse o líder da Venezuela, Hugo Chávez. Ele é contra o acordo comercial assinado por Bush com a Colômbia, o mais fiel dos aliados dos EUA na vizinhança.

Haverá obstáculos para tentativas de reaproximação mesmo se o próximo presidente for McCain, que é do Partido Republicano e que tem o apoio de Bush.

McCain visitou a América Latina algumas vezes e defende o aprofundamento dos laços comerciais com a região, mas a eleição deve fortalecer a bancada democrata no Congresso e ela poderia bloquear qualquer iniciativa de McCain.

Mesmo assim, muitos observadores acreditam que a troca de guarda na Casa Branca abrirá caminho para uma revisão das políticas adotadas pelos EUA na região e que isso poderá gerar novas oportunidades. "O valor estratégico que nossa relação com o Brasil pode ter ainda precisa ser explorado", diz Jon Huenemann, ex-negociador comercial que hoje trabalha no escritório de advocacia Miller & Chevallier e tem vários clientes na região.

Nos últimos anos, o Brasil passou a ser visto em Washington como parceiro confiável e uma fonte de estabilidade na América Latina, num período em que a região foi sacudida pela ascensão de líderes esquerdistas como Chávez e os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa.

Mas a boa vontade do governo Bush e seu bom relacionamento pessoal com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foram suficientes para aprofundar a integração econômica entre os dois países. Esforços para eliminar barreiras comerciais que muitos produtos brasileiros ainda enfrentam no mercado americano naufragaram com o fiasco das negociações da Rodada Doha de liberalização comercial.

Especialistas que acompanham as relações entre os dois países acreditam que o próximo presidente americano deveria explorar novas áreas de cooperação. A mais óbvia é energia. "A descoberta dos novos campos de petróleo no Brasil pode levar os EUA a buscar iniciativas mais ambiciosas", diz Riordan Roett, professor da Universidade Johns Hopkins que tem colaborado com a equipe de Obama.

Há poucas semanas, uma comissão do Senado americano aprovou um projeto que propõe que os EUA lance diversas iniciativas para aumentar a cooperação com o Brasil na área energética. O autor do projeto, o senador Richard Lugar, é republicano, mas Obama freqüentemente o menciona com admiração em público.

Assessores de Lugar visitaram o Brasil neste ano para contatos com o governo federal, a Petrobras e outras empresas.

Os EUA importaram no ano passado 58% do petróleo que consumiram. Muitos dos seus fornecedores estão em regiões conflituosas, como o Oriente Médio, ou países governados por rivais, como a Venezuela, origem de 10% do petróleo importado pelos americanos. O Brasil poderá ter no futuro um papel mais relevante nessa área, quando os campos descobertos na camada pré-sal começarem a produzir.

Vai levar um bom tempo para que propostas muito arrojadas tenham espaço na agenda do próximo presidente. Ele tem um encontro marcado com os líderes da região em abril de 2009, quando a 5ª Cúpula das Américas será realizada em Trinidad e Tobago. Mas dificilmente o novo presidente americano terá condições de fazer ali muito mais do que se apresentar e posar para fotografias. "O trabalho sério virá depois", disse Julia Szweig.