Título: Mudança de cálculo de reajuste de tarifa vai afetar distribuidoras
Autor: Goulart , Josette
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2008, Mudança de cálculo de reajuste de tarifa vai afeta, p. B7

As empresas distribuidoras de energia tiveram seus resultados fortemente inflados nos últimos anos por causa de um desvio na metodologia do cálculo de suas tarifas, que será agora alterado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Ontem, a diretoria da agência decidiu propor a alteração de uma portaria interministerial que trata do tema para que haja um aperfeiçoamento na forma de cálculo dos reajustes anuais das tarifas.

A distorção pode ser causada pelo aumento ou redução do mercado consumidor. Mas foi o aumento da demanda nos últimos anos que levou a um resultado favorável às distribuidoras. Os ganhos operacionais de companhias como CPFL e Eletropaulo ficaram até 50% maiores nos períodos que antecederam à revisão tarifária periódica, que acontece de quatro em quatro anos. Em empresas como a Celesc esse percentual chegaria a 28% e na Energias do Brasil, 20%.

Um relatório do banco Santander, de agosto de 2007 (ano que começaram as revisões), mostra que o risco de redução do lucro antes dos impostos e amortização da CPFL, por causa da revisão tarifária, chegava a 44%. O da Eletropaulo era de apenas 5%, pois naquele mês a empresa tinha passado por sua revisão tarifária e, portanto, seu lucro antes dos impostos e amortização já estava ajustado. A revisão da forma de cálculo vai fazer com que os resultados das companhias fiquem mais enxutos nos próximos anos do que ficariam atualmente em um cenário de crescimento de demanda, segundo o analista do banco, Márcio Prado.

Algumas fontes ligadas à CPFL dizem que o impacto não passaria de R$ 50 milhões ao ano, ou apenas 0,3% de sua receita. A conta, entretanto, não reflete o efeito cumulativo ao longo dos anos. O desvio da fórmula de cálculo do reajuste anual acumula-se por quatro anos, até o período de revisão tarifária, que é um processo mais detalhado de ajuste da tarifa. É no ano da revisão que esse efeito é retirado dos balanços. Mas já em seguida a distorção começa novamente, segundo lembra uma fonte do setor.

A Aneel já vinha estudando o assunto internamente e em setembro elaborou uma nota técnica propondo a alteração da Conta de Compensação de Valores dos itens da chamada Parcela A (CVA) das distribuidoras - essa parcela é formada por custos não gerenciáveis das companhias. Sugere que a conta seja corrigida em função do crescimento ou retração de mercado. A entrada em pauta do assunto nesta semana pegou de surpresa também a Associação das Distribuidoras de Energia Elétrica. O diretor da associação, Fernando Maia, pediu ontem à Aneel que o tema fosse retirado de pauta para ser discutido em audiência pública porque entende que a proposta apresentada pode alterar os contratos de concessão. A Aneel manteve a pauta e decidiu enviar a proposta aos ministérios da Fazenda e de Minas e Energia. Ficou decidido ainda que o tema será discutido em audiência pública se o governo concordar com uma alteração.

A urgência da Aneel talvez tenha relação com uma decisão tomada neste mês pelo Tribunal de contas da União (TCU). Em um processo que envolve a Celpe, distribuidora do grupo Neoenergia, o TCU determinou que a Aneel revisse, em 60 dias, a forma de cálculo de todas as empresas distribuidoras. Pelo que apurou o TCU, os reajustes tarifários da Celpe, entre 2002 e 2007, proporcionaram aumento de 78% na tarifa, enquanto a inflação no período foi de 61%. Nas contas do TCU, as 64 distribuidoras do país estariam apropriando-se de uma receita de pelo menos R$ 1 bilhão por ano em função da distorção da metodologia de cálculo. Valor esse que, se reconhecido, poderia reduzir a tarifa para o consumidor em até 2%.

O modelo de remuneração das concessionárias é baseado na premissa de que a tarifa aplicada à quantidade de energia vendida gera a receita necessária para cobrir os custos das empresas. Basicamente o desvio em função do crescimento de mercado acontece por causa dos diversos encargos do setor de energia que são fixos e portanto não variam com o crescimento de demanda. A chamada parcela A das distribuidoras, que deveria ser neutra, não é corrigida nessas circunstância fazendo com que a receita total da companhia aumente apesar de os custos totais não aumentarem na mesma proporção. Se há redução de mercado, a receita total diminuiu sem que os custos não-gerenciáveis caiam.