Título: Crise deve criar demandas judiciais, afirma Mendes
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2008, Finanças, p. C3

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, acredita que a crise econômica internacional deve criar um novo ciclo de demandas no Judiciário. "Certamente, virão embates que conhecemos muito bem", afirmou, referindo-se a ações que devem ser propostas por empresas, bancos e pessoas físicas que possuíam contratos atrelados ao dólar. Marisa Cauduro / Valor

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes: "Realmente, podemos estar diante de um novo ciclo de demandas para a Justiça"

Mendes lembrou que, em janeiro de 1999, quando houve o fim da paridade entre o dólar e o real, o Judiciário passou por um novo fluxo de ações. Quem tinha contratos corrigidos pelo dólar procurou transferir esse prejuízo através de ações no Judiciário.

"Esses problemas com contratos são muito comuns. As pessoas alegam que surgiu um fato imprevisível e recorrem à Justiça. Realmente, podemos estar diante de um novo ciclo de demandas para a Justiça", disse o ministro em conversa por telefone com o Valor de Nova York, onde proferiu palestra sobre a reforma do Judiciário no Brasil e a sua conseqüência para os investimentos no país. Ele esteve na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) e nas universidades de Harvard e Columbia.

Mendes relatou na ONU que os mecanismos aprovados pelo Congresso, em dezembro de 2004, na reforma do Judiciário, tiveram o objetivo de dar maior segurança jurídica aos negócios realizados no país.

"O mercado é uma instituição jurídica", definiu. Ele citou três mecanismos específicos. Primeiro, a criação do Conselho Nacional de Justiça que tem a missão de formular a estratégia do Judiciário no sentido de fiscalizar os juízes e evitar a procrastinação dos processos. Em seguida, Mendes defendeu a súmula vinculante, que faz com que decisões do STF sejam seguidas pelos demais tribunais do país. Para ele, a súmula levou a uma estabilização de expectativas já que as decisões passaram a ser iguais para todo o país. Nesse ponto, a súmula reduziu o grau de incerteza das empresas quanto aos seus negócios. O ministro disse, ainda, que a repercussão geral acelerou a tomada de decisões no Supremo Tribunal Federal.

A repercussão permite que o STF reúna vários processos num único julgamento. Com isso, as decisões são tomadas mais rapidamente e os empresários sabem o cenário em que vão atuar.

"Esses mecanismos serão importantes para enfrentar eventuais ações envolvendo a crise, pois as demandas de massa podem ser atendidas pela súmula vinculante e pela repercussão geral", afirmou Mendes.

A expectativa é que as empresas que fizeram operações com derivativos cambiais e perderam dinheiro nas últimas semanas sejam as primeiras a recorrer ao Judiciário. Pelo menos três grandes levas de ações são esperadas, segundo a avaliação de Ivo Teixeira Gico Júnior, do escritório Dino, Siqueira e Gico. Uma deverá ser a de ações de empresas que compraram produtos financeiros sem "disclosure" (informações adequadas sobre o risco das operações). Neste caso, as ações devem envolver de um lado as empresas, de outro, os bancos.

Outro foco das ações deverá surgir de processos de acionistas minoritários contra os dirigentes de companhias que nos derivativos. E, por fim, ações contestando eventuais aquisições de bancos e empresas realizadas por meio dos planos de ajuda que o governo federal anunciou na semana passada, em particular pela Medida Provisória 443, que permitiu ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal comprarem bancos menores.

Gico Júnior acredita que essas ações devem ter valores maiores que as propostas em 1999. Naquele ano, os consumidores que possuíam contratos de leasing - atrelados ao dólar - lotaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com ações em que pediram o pagamento de suas parcelas futuras pelo real. O STJ foi favorável aos consumidores e, por isso, hoje, não existem mais financiamentos de carros importados atrelados ao dólar. Por causa dessas decisões, a maioria das empresas e dos bancos pararam de fazer contratos atrelados ao câmbio com os consumidores. Mas continuaram essa prática entre si.

Por isso, as ações sobre o câmbio - que, em 1999, envolviam populares - serão mais empresariais a partir de agora. "Os envolvidos serão bancos e empresas e os valores das ações certamente serão muito mais altos", previu Gico Júnior.