Título: Com crise, novo presidente vai penar para retomar a influência dos EUA
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2008, Internacional, p. A10

No início do ano, quando a campanha presidencial americana ainda estava no começo, o senador Barack Obama repetia sempre a mesma frase para anunciar uma das primeiras providências que tomaria se um dia chegasse à Casa Branca: "Quero me dirigir ao mundo e dizer: "A América está de volta, e estamos prontos para liderar" ".

Se as pesquisas estiverem certas, Obama vencerá a eleição da próxima terça-feira e será o primeiro negro a ocupar a Presidência dos Estados Unidos. Seu triunfo certamente será reconhecido em toda parte como um evento extraordinário, e seus aliados acreditam que isso fará o resto do mundo voltar a olhar os EUA com respeito e admiração.

Mas as últimas semanas indicaram que será necessário muito mais do que o carisma pessoal de Obama para restaurar a credibilidade internacional dos EUA. A crise financeira global, que ameaça arrastar o mundo inteiro para uma recessão, está ampliando a erosão sofrida pelo prestígio americano durante os oito anos em que o presidente George W. Bush ficou no poder.

Os efeitos do pandemônio financeiro se revelaram tão devastadores que até colaboradores de Obama que sempre esbanjaram autoconfiança começaram a exibir sinais de apreensão. "A crise afeta nossa capacidade de influenciar o resto do mundo", disse ao Valor um dos principais assessores de política externa de Obama, Gregory Craig, numa conversa no fim de setembro.

A crise forçou os EUA e outros países avançados a intervir de forma agressiva para evitar o colapso de suas instituições financeiras e abalou a confiança que o resto do mundo depositava na eficiência do modelo econômico americano. A enorme dependência que os EUA têm de financiamento externo aumentou e isso também tornará a maior potência do planeta mais frágil.

"O sucesso do modelo americano inspirou por muito tempo o avanço da globalização e de idéias como a importância da democracia e da abertura dos mercados para o desenvolvimento econômico", diz Flynt Leverett, um ex-assessor do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. "Agora esse modelo será visto com mais ceticismo."

Estima-se que o Tesouro dos EUA precisará captar US$ 1,4 trilhão neste ano para custear as diversas medidas adotadas para socorrer o sistema financeiro americano. Os papéis do Tesouro continuam sendo vistos como as aplicações mais seguras da praça e os EUA não têm encontrado dificuldades para recrutar investidores dispostos a financiá-los. Mas sua dependência da boa vontade dos governos estrangeiros está cada vez maior.

Bancos centrais e fundos de investimento patrocinados pela China e por outros países foram responsáveis por dois terços do fluxo de capital externo recebido pelos EUA nos últimos 12 meses, calcula o economista Brad Setser, do Conselho de Relações Exteriores, um centro de estudos. Nos 12 meses anteriores, investidores privados forneceram a maior parte do capital externo que o país precisou.

As pesquisas indicam que a imagem dos EUA no exterior preocupa a opinião pública. Segundo um levantamento feito pelo Conselho de Chicago sobre Assuntos Globais em julho, 83% dos americanos acham que restaurar a reputação internacional do país deveria ser um dos principais objetivos de sua política externa. Mas 53% acreditam que a capacidade do governo de alcançar seus objetivos no exterior está diminuindo e apenas 10% acham que ela é maior hoje em dia.

Analistas dos órgãos de inteligência do governo americano estão fazendo um ampla revisão do papel dos EUA no mundo, que deverá ser apresentada a Bush e seu sucessor depois da eleição. O funcionário que coordena esse trabalho antecipou recentemente as linhas gerais do relatório que será divulgado e indicou que não terá boas notícias para o próximo presidente.

"A insatisfação internacional com as ações americanas, nossas políticas, nossa atitude, nosso comportamento, nosso triunfalismo, significa que, mesmo se tivermos um caminho muito bom para sugerir, ele estará prejudicado, simplesmente por ser nossa idéia", disse o subdiretor de Inteligência Nacional Thomas Fingar, em pronunciamento em Washington há um mês.

Mas a crise também criou problemas para países que poderiam aproveitar a fraqueza americana para ampliar sua influência. Potências emergentes como a China, que pareciam invulneráveis, estão sofrendo com a desaceleração da economia mundial. A queda dos preços do petróleo também criou dificuldades para adversários dos EUA como a Rússia, a Venezuela e o Irã.

"A suposição de que as economias emergentes conseguiriam se descolar da crise americana não sobreviveu por muito tempo", afirma o cientista político Joseph Nye, professor da Universidade Harvard. "Os países emergentes têm interesses muito divergentes e nenhum deles tem condições de oferecer uma liderança alternativa à americana."

Com a economia em frangalhos, uma guerra no Iraque e outra no Afeganistão para administrar, o próximo presidente dos EUA terá enormes dificuldades para se reaproximar do mundo. Se ocorrer uma surpresa na semana que vem e o senador John McCain vencer a eleição, essas dificuldades provavelmente serão maiores. McCain discordou de Bush com bastante freqüência no passado, mas uma derrota de Obama causaria muito desapontamento no exterior.

Uma pesquisa feita em setembro pela rede britânica BBC em 22 países indicou que a popularidade de Obama é ainda maior fora de casa. Se tivessem oportunidade de votar na eleição americana, 49% dos entrevistados disseram que escolheriam Obama e apenas 12% optariam por McCain. "Se vencer, Obama terá um período de lua-de-mel com o mundo que McCain não terá", diz Leverett. "Mas não vai demorar muito tempo para que as cobranças comecem a ser feitas."