Título: Padrinhos tiveram menor importância nessa eleição
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Fonte: Valor Econômico, 28/10/2008, Opinião, p. A12

Dois anos é muito tempo na política. Ainda assim, embora tudo possa acontecer nesse período que separa o país da sucessão presidencial, em 2010, as eleições municipais, que se encerraram nesse domingo, apontam para algumas tendências do eleitorado que não podem ser subestimadas, e indicam sérias deficiências dos partidos políticos que não devem ser colocadas debaixo do tapete.

O fato de não ter ocorrido, em regra, nenhuma transferência direta e automática de votos de padrinhos políticos para candidatos pode ser debitado ao avanço qualitativo do voto que ocorre desde o início da redemocratização, em 1985. Nem o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode reclamar de não ter simplesmente decidido o voto pelo seu eleitor, na escolha de seu administrador municipal. A eleição para a prefeitura de Belo Horizonte foi o exemplo mais claro de como o brasileiro usou de seu próprio discernimento sobre os candidatos que se apresentaram e como se rechaçou a arrogância de políticos eleitos, de considerarem que bastava a palavra deles para transferir popularidade para pessoas desconhecidas. O candidato apoiado pelo prefeito Fernando Pimentel (PT) e o governador Aécio Neves (PSDB), Márcio Lacerda (PSB), acomodou-se, no primeiro turno, à idéia de que poderia ficar escondido sob os dois padrinhos para que fosse eleito. Quase perdeu uma eleição já ganha. Apenas recuperou a popularidade quando se dispôs a se expor ao eleitor e apresentar-se como candidato de si mesmo, e conseguiu convencê-lo de que era melhor opção de que seu adversário, Leonardo Quintão (PMDB).

Da mesma forma, em São Paulo, o apoio claro de Lula à Marta Suplicy não conseguiu remover a rejeição do paulistano a ela. A candidata fez opções equivocadas de campanha e pagou por elas com aumento de rejeição. Lula não reduziu o número de pessoas que não votavam na ex-prefeita de jeito nenhum. Nem mesmo ao prefeito Gilberto Kassab (DEM) se pode atribuir a vitória a uma mera transferência de votos do governador José Serra (SP). Embora o governador vá se beneficiar do resultado eleitoral, o fato é que sua participação na campanha foi neutralizada no primeiro turno pela candidatura de Geraldo Alckmin, de seu partido. Nos 20 dias de segundo turno, o que ficou evidente não foi a relação entre o apoio de Serra e a ascensão de Kassab nas pesquisas, mas uma subida do candidato do DEM sustentada principalmente pelo voto anti-Marta.

Numa democracia, o natural é que os maiores expoentes de um partido figurem como os principais eleitores dos candidatos de suas legendas, e que eles sejam peças fundamentais na consolidação de novas lideranças no cenário político. No Brasil, a falta de organicidade dos partidos políticos faz com que o papel das estrelas partidárias seja exercido de forma a beneficiar politicamente e reforçar a posição individual desses líderes, ou fortalecê-los nas disputas internas, sem que isso resulte no crescimento do partido ou em escolhas adequadas. O fato de o eleitor não mais prescindir de seu próprio juízo na escolha de um candidato, e não seguir cegamente a orientação de um líder, é um sinal de avanço. Em 1996, por exemplo, o então prefeito Paulo Maluf elegeu como sucessor um secretário de Finanças que não era conhecido, não tinha experiência política e, o futuro indicou, não possuía credenciais para governar uma cidade do tamanho e da importância de São Paulo. Fenômenos como Celso Pitta parecem estar sendo eliminados da história eleitoral do país.

A exceção da vitória de Eduardo Paes (PMDB) no Rio pode confirmar a regra. O fato de a diferença entre a votação do candidato do governador, Paes, e a do candidato de oposição, o deputado Fernando Gabeira (PV), ter sido tão pequena - 1,7% dos votos - acena para uma tendência ao voto autônomo do eleitor. Gabeira, afinal, estava na oposição e fez uma campanha quase artesanal, recusando-se, inclusive, a fazer acordos com partidos, antes das eleições, que pudessem comprometer sua ação política caso fosse eleito. Gabeira também não teve padrinhos políticos, exceto a péssima companhia do prefeito César Maia (DEM), que está em franco e inabalável declínio. Ainda assim, Gabeira quase chegou lá, pelo escrutínio pessoal e cuidadoso de grande parte do eleitorado do Rio de Janeiro.