Título: Argentina manda fundos zerarem Brasil em 3 dias
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Fonte: Valor Econômico, 29/10/2008, E & Investimentos, p. D3

O governo argentino provocou surpresa ontem ao determinar que os fundos de pensão privados do país vendam todos os investimentos que possuem no Brasil em três dias e mandem o dinheiro de volta. A decisão, tomada na noite de segunda-feira, envolveria um total de US$ 567 milhões, ou cerca de R$ 1,3 bilhão aplicados no mercado brasileiro, e é um desdobramento da estatização da previdência privada do país, anunciada pela presidente Cristina Kirchner na semana passada. Segundo o decreto o dinheiro voltaria em três etapas: 33% hoje, 33% na quinta-feira e o restante na sexta-feira.

A venda dos ativos dependeria, porém, da aprovação do Banco Central argentino. O projeto de privatização dos fundos, por sua vez, está no Congresso argentino. No Brasil, a notícia não chegou a influenciar os negócios em bolsa, uma vez que o valor é relativamente pequeno em relação ao volume negociado na Bovespa, de R$ 4 bilhões por dia. O que significaria que a zeragem dos fundos de pensão argentinos teria um impacto equivalente a 25% dos negócios, mas diluído em três dias. Ontem, o Índice Bovespa subiu mais de 13%, acompanhando a melhora do cenário externo. Há dúvidas também se o valor está só em ações ou também em títulos.

A decisão do governo de Cristina Kirchner de reduzir a aplicação em ativos brasileiros não é nova. No ano passado, o governo já havia determinado aos fundos de pensão privados que reduzissem em 80% as aplicações em papéis brasileiros. A venda, porém, era gradual, 20% a cada quatro meses, começando em dezembro de 2007. Até agosto, portanto, 60% das aplicações já haviam sido vendidas.

Dois gestores eram especialmente fortes na oferta de ações brasileiras para os fundos argentinos. O Banco Itaú, que tem um banco de varejo na Argentina, tinha uma carteira de US$ 450 milhões em ações brasileiras em outubro do ano passado. Procurado, o banco não se pronunciou. Outra gestora era a inglesa Schroders, que chegou a ter um fundo com R$ 1 bilhão de ações brasileiras. Hoje, a carteira tem R$ 300 milhões.

O que chamou a atenção foi o prazo de execução da medida, diz Eduardo Mendes, da Schroders. "Como a liquidação das venda das ações no Brasil leva três dias, os fundos teriam de vender tudo hoje para poder mandar o dinheiro de volta na sexta-feira", afirma. Outro gestor, que pediu para não ser citado, observa que, nessas condições, os fundos terão de vender as ações a qualquer preço, o que provocará perdas para os fundos de pensão, que já estão tendo prejuízo com a queda de quase 50% do Ibovespa no ano. A justificativa do governo argentino em estatizar os fundos privados era justamente garantir a aposentadoria dos trabalhadores diante da forte queda dos ativos.

A maioria dos analistas considera, porém, que o motivo da estatização é garantir mais recursos para a rolagem da dívida pública argentina e reduzir a pressão sobre o câmbio em meio às dificuldades criadas pela crise internacional. O gerente-geral das Administradoras de Fundos de Aposentadorias e Pensão da Argentina, Sergio Chodos, segundo a agência ANSA, disse que os fundos de renda fixa são "uma opção mais racional" para aplicar o dinheiro.

A decisão argentina é muito ruim para o mercado de previdência privada em geral, diz Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. "Isso cria um ambiente de incerteza em países onde há sistemas de previdência privada e o receio de que um ou outro governo decida interferir ou estatizar o sistema também", diz. (AP)