Título: Governo de SP quer mais crédito circulando
Autor: Neumann , Denise ; Fernandes , Maria Cristina
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2008, Brasil, p. A3

O Estado de São Paulo cresce na frente quando o país cresce, mas também é o primeiro a cair, quando a economia desacelera. Preocupado com o risco de forte retração na economia paulista em decorrência dos efeitos da crise financeira mundial sobre o Brasil, o governo de São Paulo defende uma ação mais enérgica do Banco Central para fazer o dinheiro circular. "O problema hoje é de crédito e esse deve ser o foco da atuação dos governos, especialmente na área federal. O dinheiro precisa circular", receita Mauro Ricardo Costa, secretário da Fazenda do Estado de São Paulo.

Mauro Ricardo avalia que a equipe econômica adotou algumas medidas corretas, mas agiu muito timidamente para resolver a falta de crédito e desmanchar o empoçamento da liquidez, que mantém os recursos que deveriam financiar a produção parados nos bancos. Para ele, as medidas envolvendo a liberação de recursos dos depósitos compulsórios não funcionaram e só surtirão efeito quando os bancos forem penalizados por não emprestar dinheiro. Essa penalização, sugere, deve ser feita via redução da remuneração dos bancos. O depósito compulsório, diz, poderia ser remunerado a 20% da Selic. "Você não precisa obrigar ninguém a emprestar, mas você pode reduzir as vantagens de quem não o faz", observa. "Enquanto os bancos não começarem a reclamar é porque as medidas ainda não foram suficientes".

No diagnóstico do que deve ser feito, Mauro Ricardo lista três prioridades: primeiro, não deixar nenhuma instituição financeira quebrar; depois, não aumentar a taxa básica de juros; e por fim, garantir financiamento para quem precisa. "O dinheiro precisa circular na economia, sem isso teremos um impacto muito forte de contração da atividade, com efeitos sobre a renda e o emprego e também sobre a receita dos Estados e municípios", resume o secretário.

Enquanto cobra uma postura mais incisiva do BC, o governo paulista decidiu fazer o mesmo com a Nossa Caixa. Procurados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), o governador José Serra (PSDB) e Mauro Ricardo já deram o aval para que o banco paulista utilize parte do caixa de R$ 28 bilhões em operações de crédito para os bancos das montadoras de automóveis e caminhões para que estes tenham mais recursos para emprestar aos consumidores finais. Os detalhes e o volume da operação, diz, estão sendo discutidos e negociados e ela só será finalizada mediante garantias normais das operações entre bancos. "O ponto é que a economia não pode parar por falta de crédito", observa Mauro Ricardo.

Ele também não descarta uma atuação mais forte da Nossa Caixa em financiamento imobiliário. "Mas em empréstimos para o mutuário, não para empresas", esclarece. "Não queremos uma Nossa CaixaPar", explica, em referência à decisão do governo federal de autorizar, via medida provisória, a criação de uma subsidiária da Caixa Econômica Federal para comprar participações acionárias em empresas do setor de construção.

Mauro Ricardo diz que a MP 443 dá mais garantias jurídicas a uma eventual compra do Banco do Brasil pela Nossa Caixa, mas isso não significa que sua tramitação mereça apoio incondicional. Para o secretário, a preocupação deve estar centrada na manutenção do crédito disponível para o consumidor e o mutuário. A compra de um banco ou de participação em construtoras é uma decisão demorada e até ser concretizada pode ser tarde demais. "É uma questão delicada. O presidente de um banco federal que decidir por uma compra responderá por isso pela vida inteira, em ações populares e ou do Ministério Público."

Uma repercussão mais forte da crise financeira na confiança e no nível de consumo pode afetar as receitas de São Paulo para o próximo ano e comprometer os planos de investimento do governo Serra. Em São Paulo, informa o secretário, 35% da arrecadação depende da atividade industrial. Por isso, uma contração do consumo e da produção terá efeito direto sobre a arrecadação paulista, cujo crescimento para 2009 está estimado em 19,92% em relação ao orçamento de 2008. Da receita total, 11,8% devem ser destinados a investimentos no próximo ano. Em 2010, ano das eleições presidenciais, os investimentos devem subir para 12%.

As projeções para o orçamento paulista de 2009 levaram em conta um crescimento de PIB de 4%. O secretário considera prematuro reestimar as projeções para o próximo ano. Segundo ele, cada crescimento de um ponto percentual do PIB corresponde atualmente a uma elevação real de 1,16% na arrecadação de ICMS.

O leilão de rodovias realizado ontem pelo governo de São Paulo é, para o secretário, um sinal de que as empresas estão dispostas a manter seus planos de investimentos desde que haja uma política de crédito vigorosa. É essa sinalização, diz, que deveria ser reforçada pela política monetária.

Dada a previsível retração da economia, o secretário paulista também acha que não é o momento de se mobilizar o Congresso em torno da reforma tributária. "O debate do tema é propício quando a economia está em crescimento. O momento de crise é o pior para se discutir a reforma tributária", diz.

No discurso do governo federal, o impulso à reforma em um momento de crise viria da necessidade maior de se desonerar a atividade produtiva. Para o secretário paulista, porém, a desoneração prejudica a arrecadação de Estados e municípios num quadro em que eles já serão naturalmente penalizados pela retração da economia. Além disso, a prometida desoneração para a atividade produtiva viria de forma marginal, já que a idéia é implantar as grandes mudanças - alteração da forma de cobrança de ICMS e crédito para mercadorias de uso e consumo - de forma gradativa.