Título: Preço injusto?
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2008, EU & Investimentos, p. D1

Calcular os preços dos ativos no atual momento de crise é como descer a serra do mar sob intensa neblina. Não dá para saber se o clima no litoral é de chuva, de sol ou ameno.

"Os paradigmas, as referências e os parâmetros todos mudaram", afirmou Lika Takahashi, chefe de análise da Fator Corretora. "Tudo o que tivemos de bom nos últimos quatro anos, provavelmente, não teremos nos próximos quatro."

Levantamento feito pelo Valor Data mostra que hoje 31 empresas brasileiras estão com valor de mercado abaixo da soma dos recursos que têm em caixa com os estoques, subtraindo a dívida de curto prazo. Ano passado, apenas duas viviam essa situação. A análise foi feita a partir de uma amostra de 282 companhias.

A avaliação é que houve uma mudança brusca no cenário macroeconômico, dominado hoje por pessimismo e incertezas. Esses aspectos mais a escassez de dinheiro no sistema financeiro internacional desenham a perspectiva de desaquecimento global - e hoje o quadro macro está pesando mais do que as particularidades de cada empresa para se chegar no valor do negócio.

"A ação sempre está submetida a dois riscos, o da empresa e o de mercado, que embute as condições do país, do quadro global, de crescimento. Em momentos de depressão, como o atual, a tendência é que o segundo prevaleça em relação ao primeiro", afirmou Alexandre Póvoa, diretor do Modal Asset.

Em um ambiente que reúne incerteza e pessimismo, a tendência natural, diz Póvoa, é que os compradores sumam do mercado. Oferta e demanda também são fatores que interferem nos preços, e o momento de hoje é o inverso do que havia no ano passado, quando muitos papéis saíram sobrevalorizados em ofertas iniciais de ações porque havia grande liquidez e excesso de compradores.

"Antes, portanto, o poder de barganha estava nas mãos das empresas, que conseguiram vender seus papéis a preços elevados. Agora, está nas mãos dos investidores, que relutam em dispor de seus recursos, com o temor em relação ao futuro, e acabam forçando a queda dos preços", diz o diretor do Modal.

Por conta dessa inversão, se chega à distorção de empresas sendo cotadas na bolsa a preços menores do que os valores que têm em caixa. "Isso não faz sentido mesmo que houvesse uma catástrofe. Mas chega-se a esse ponto porque a pressão é vendedora, de investidores que não têm mais como suportar as perdas crescentes. O preço de mercado fica abaixo do de equilíbrio", afirma Póvoa.

No ponto de vista dos analistas, a avaliação também é prejudicada porque ficaram depreciadas duas importantes variáveis que utilizam para chegar ao preço de uma ação, crescimento e risco, aplicado por meio de uma taxa de desconto.

Pedro Galdi, analista da SLW Corretora, compara a situação atual àquela vivida pelo Brasil nos anos 80, com o Plano Collor, que bloqueou o dinheiro dos brasileiros. "Sem recursos disponíveis, também naquele momento perdeu-se a referência de preços, com a população vendendo bens se encontrasse um comprador, ao preço que ele desejasse. Era um momento de falta de liquidez, como é o atual", afirma.

O preço das ações de uma empresa reflete a soma dos lucros projetados, normalmente, por um prazo de cinco anos ou pouco mais. Esse montante é trazido a valor presente, descontando-se dele a taxa de custo de capital médio da empresa. O total é dividido pela quantidade de ações da companhia e, daí, se obtêm o preço por ação. Essa é a diretriz seguida em tempos normais.

A questão é que o momento atual está longe da normalidade. A taxa de desconto utilizada pela Fator, por exemplo, aumentou de 12% para 14%, baseada na taxa de juros de 2012. "No mercado, a projeção dessa taxa já chegou a 16%, mas acho que isso está fora da normalidade", diz Lika.

A questão, neste momento, é que além da dificuldade de se alcançar a taxa de desconto adequada - cujo objetivo é refletir o custo de capital - os especialistas não conseguem prever que crescimento utilizar nas projeções de lucro.

Aos poucos, já começa a se assimilar uma desaceleração entre os especialistas. A Ativa Corretora, por exemplo, divulgou ontem a expectativa de que o crescimento da economia brasileira (PIB) alcance 5,4% neste ano, mas caia para 3,3% em 2009, no melhor cenário, ou para 2,3%, no pior. Ou seja, em geral, se a economia cresce menos, as companhias também. A produção industrial projetada pela Ativa para 2009 tem alta de 3,8% a 2,0% - ante um avanço de 5,5% estimado para este ano.

Lika, da Fator, explicou que a relação entre preço no mercado e lucro (P/L) utilizada como parâmetro pelos investidores pode subir de duas maneiras: com o aumento das cotações ou com a queda nos lucros. Na opinião dela, o atual ciclo de crescimento de lucros se encerrou. Quanto mais alto for a indicador P/L, mais caro estão os ativos, em tese.

Para a especialista, a redução no valor atual dos ativos reflete essa perspectiva de queda nos lucros. Os mercados antecipam tudo, tanto o bom quanto o mau cenário. Ela lembrou que também na grande depressão (após o "crash" da bolsa em 29) e na segunda grande guerra mundial as bolsas começaram a subir antes mesmo que o pior acontecesse na economia real, já antecipando a melhora que viria depois.

Enquanto os especialistas tentam decifrar 2009 para a economia brasileira, as companhias ainda não sentiram sinais de desaceleração. Apesar disso, adotaram uma postura cautelosa.

Em geral, as empresas estão suspendendo ou adiando pequenos projetos, para preservar o caixa. Por enquanto, não houve a suspensão de grandes investimento, com exceção das companhias que sofreram perdas expressivas com derivativos.

O temor é que a cautela de primeiro momento do empresariado se transforme em um menor ritmo de expansão dos negócios, gerada pela falta de crédito, o que interromperia o ciclo de alta do emprego e da renda - portanto, de aumento do consumo.

Há mais dúvidas do que respostas no momento. Sem saber quanto o dinheiro custa - já que há uma profunda escassez de crédito - e quanto isso pode afetar a economia real, os especialistas não conseguem calcular nem a taxa de desconto que devem usar nem o crescimento que devem projetar para as empresas. Assim, não há como se obter preços confiáveis para os ativos.

"Os efeitos dessa interrupção de oferta de crédito são função de quanto tempo ela irá durar, uma vez que quanto mais tempo essa situação se prolongar mais desorganizador será o efeito. A variável mais sensível a essa interrupção são os investimentos, dada a necessidade de apetite a risco do ponto de vista do empresário. A interrupção do crédito pode causar uma insegurança para o empresário em relação a sua capacidade de financiamento em um momento adverso", explicam os economistas Arthur Carvalho e Marcos Fantinatti, da Ativa. Embora já comece a desenhar cenários possíveis para a economia nacional, a corretora ainda mantém sob revisão projeções para as empresas.

Por enquanto, nem as próprias companhias conseguem fornecer aos investidores cenários mais palpáveis par 2009. Oscar Becker, diretor financeiro e de relações com investidores da Iochpe-Maxion, contou que, até o momento, não foi sentida nenhuma desaceleração. Ainda assim, iniciativas de preservação de caixa foram tomadas.

Na ALL, o presidente Bernardo Hees, mantém o otimismo. Segundo ele, a companhia cresce mesmo se a economia doméstica desacelerar. Em cenários ruins, a empresa ganha participação de mercado, com empresários que trocam a logística rodoviária, mais cara, pela ferroviária, mais barata. Ele acredita que tem demanda reprimida para expandir seu negócio por pelo menos dez anos, ainda que o país não cresça.