Título: Pressionado por clientes, exportador já concede descontos
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2008, Brasil, p. A4

Tradicionais exportadores de bens de consumo e outros manufaturados estão sendo pressionados pelos clientes no exterior a "dividir" os ganhos da desvalorização cambial. Fabricantes de calçados, têxteis e madeira, entre outros, têm recebido - e em muitos casos concedido - pedidos para descontos nos preços em dólar. Alguns reclamam, outros usam a redução de preço como marketing e estratégia para ganhar novos clientes. Jefferson Dias/Valor

Importadores do Mercosul, EUA e Europa pedem descontos, diz Valquírio Cabral Júnior, diretor comercial da Lupo

Com cerca de 15% da produção destinada ao mercado externo, a Miúcha Calçados, de Três Coroas (RS), está aproveitando o dólar mais alto para antecipar vendas da próxima coleção de inverno para Estados Unidos e Europa. Para isso, a empresa aproveita a rentabilidade maior proporcionada pelo câmbio mais favorável e oferece descontos nos preços em dólar aos clientes mais tradicionais, explica o gerente de exportações, Maurício Rahmeier.

Segundo ele, com o dólar acima dos R$ 2, os descontos já chegaram a 35% em algumas linhas de produtos. A condição é que os clientes paguem à vista e não com cartas de crédito, devido à instabilidade cambial. "O pagamento é feito com o dólar do dia", o que também reduz a necessidade de recorrer aos adiantamentos de contratos de câmbio (ACC), diz. Para os pedidos que já estão em carteira nada muda, explica Rahmeier. Neste ano a empresa prevê uma produção de 1,2 milhão de pares, igual ao ano passado.

De acordo com o gerente, o novo patamar do câmbio recupera a competitividade dos produtos brasileiros no exterior e alguns clientes que haviam migrado para fornecedores chineses começam a retomar as encomendas ou pelo menos voltam a fazer contato com a empresa. "O Brasil é melhor em qualidade, na velocidade da produção e na capacidade de produzir pequenos volumes", afirma.

Na West Coast, de Ivoti, a estratégia é mais cautelosa. Segundo o gerente de marketing, Sérgio Baccaro Júnior, os clientes externos já começam a pedir descontos nos preços em dólar, mas a empresa está mantendo as tabelas inalteradas. O problema, conforme Baccaro Júnior, é que parte dos insumos e componentes utilizados na produção é importada (ele não revela quanto) e a valorização do dólar acaba elevando os custos. "A tendência é que a próxima coleção de inverno, que será lançada em novembro no mercado externo, tenha os preços reajustados para cima", adianta o gerente.

A West Coast, informa, reduziu "bastante" a contratação de ACCs. Mesmo assim, e apesar da "certa retração" identificada no mercado europeu, a empresa mantém a previsão de produção entre 2,6 milhões e 2,7 milhões de pares este ano, ante 2,4 milhões em 2007, dos quais 30% são destinados às exportações. As projeções para 2009 ainda não foram fechadas.

A Lupo, que exporta meias e roupa íntima, tem recebido pedidos insistentes de clientes de Argentina, Uruguai, Estados Unidos e França para reduzir os preços, de acordo com Valquírio Cabral Júnior, diretor comercial da empresa. A empresa planejava reajustar os preços externos em 10%, mas agora negocia a redução dos preços. "No ano passado elevamos os preços porque o real estava apreciado e ainda trabalhamos com a mesma tabela. Agora os clientes querem desconto", afirmou.

Cabral observou que não apenas o real depreciou frente ao dólar, mas também as moedas dos países-clientes. As negociações, segundo Cabral, referem-se aos contratos de exportação para 2009, tendo em vista que as encomendas deste ano já estavam programadas. As exportações respondem por 6% do faturamento da Lupo, que neste ano deve crescer 28%, superando R$ 400 milhões.

Nos últimos anos, as indústrias exportadoras do segmento de madeira reclamaram do dólar desvalorizado e da redução das vendas para a construção civil dos Estados Unidos. Com a crise financeira, o câmbio melhorou, mas o clima continua tenso. A demanda externa diminuiu e os clientes estão pedindo descontos. "As encomendas caíram cerca de 40% na comparação com outubro do ano passado", conta Álvaro Scheffer, presidente da Águia Florestal, empresa de Ponta Grossa (PR) que exporta painéis e madeira serrada.

Segundo o executivo, que também é presidente do conselho da Associação Paranaense das Empresas de Base Florestal (Apre), o mercado europeu estava aquecido até meados do ano, e África e Ásia também estavam comprando, o que compensou, em parte, a redução do consumo americano. Mas o cenário mudou.

Com as oscilações constantes, a Águia Florestal definiu um nível de corte para negociar com os compradores. Se a moeda tiver valorização acima de R$ 2,20, o cliente pode ter desconto. "Estamos com medo do que vai acontecer. Quando eu for receber, quanto estará valendo o dólar?", questiona Scheffer. "Teria de fazer trava cambial, mas os bancos não estão fazendo isso, nem ACC", diz. O executivo conta que está trabalhando com o capital de giro da empresa e dias atrás já deu descontos, "não superiores a 5%", para fechar negócios.

A Águia Florestal exporta 90% do que produz. Há dois anos a empresa reduziu o volume de produção em 40% e, de lá para cá, ele ficou estável. "Se o dólar nivelar em R$ 2,20, nos tornaremos competitivos e poderemos pensar em aumentar a produção. Se ele voltar a cair, teremos problemas com a moeda e com a demanda", pondera Scheffer. Por enquanto, ele planeja dar férias coletivas de pelo menos três semanas em dezembro e suspendeu investimentos programados para 2009.

Um das maiores fabricantes de compensados do país, a Guararapes, de Palmas (PR), manteve o volume de produção mas, segundo a direção da empresa, está "sentido dificuldades maiores de venda, pois o mercado está praticamente parado". "Os clientes do mercado europeu vêm forçando reduções nos preços em função da variação cambial e, de um modo geral, já tivemos queda de mais ou menos US$ 35 por metro cúbico (cerca de 15%)", informou a empresa.

O diretor industrial, Ricardo Pedroso contou que, no mercado americano, a queda de preços foi automática. "Esse mercado já estava em baixa e com a crise financeira os preços despencaram de vez." Para depender menos das vendas externas, a Guararapes está investindo em uma nova planta para produção de MDF, que deve ser inaugurada em janeiro. "Também já estamos comercializando parte de nossa produção de compensados no mercado interno; antes, ela era destinada somente ao exterior", diz o executivo. Segundo ele, as linhas de crédito para exportação "estão bastante restritas e com taxas de juros bem maiores".