Título: Câmbio também eleva custos da indústria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2008, Brasil, p. A5

A alta do dólar não trouxe só expectativa de melhor rentabilidade para os exportadores. Ao mesmo tempo em que remunera melhor a exportação, ela eleva custos (especialmente de insumos importados) e aumenta a instabilidade dos negócios pela dificuldade de formar preços, dizem empresários. Gustavo lourencao/Valor

Para Edson Grottoli, presidente da BSH Continental para o Mercosul, o desafio é atender clientes e equilibrar o caixa

A Purac Sintesis, indústria química de capital holandês instalada em Campos dos Goytacazes (RJ) que exporta conservantes derivados do açúcar, como ácido láctico e lactato de sódio, preparava-se para fazer um reajuste de 10% a 15% em dólar nos seus produtos no quarto trimestre, para cobrir aumento de custos. Surpreendida pela alta do dólar e pela conseqüente pressão dos clientes, foi obrigada a retroceder. Segundo Marcos Bootz, diretor de vendas para a América Latina da empresa, a valorização do dólar diante do real está fazendo com que os clientes não só peçam prazos mais elásticos como preços mais módicos. A empresa normalmente oferece 60 dias de prazo para pagamento aos clientes.

"Estamos pedindo para eles esperarem alguns meses [para redefinir preços]. Não adianta reagir drasticamente", diz Bootz, argumentando que a volatilidade da moeda americana tem sido muito forte, não permitindo estabelecer um patamar para os preços. Para ele, o mais importante é saber como ficará a demanda por produtos finais. Outra preocupação do executivo é determinar o risco de perdas em cenário de desvalorização da moeda doméstica com o alongamento dos prazos. "Quem me garante quanto estará o dólar quando o cliente pagar?", questiona. A Purac brasileira é uma das cinco unidades do grupo, que tem fábricas na Holanda (matriz), Espanha, Estados Unidos e Tailândia. A filial brasileira fatura em torno de US$ 100 milhões por ano e cerca de 50% com exportações.

Bem menor do que a Purac, a Jovin Comércio e Serviços, exportadora de radio-transmissores especiais para plataformas de petróleo (feitos para não emitir faíscas), com sede em Macaé (RJ), não conseguiu chegar a um acordo com seus clientes nas últimas cotações feitas, já com o dólar valorizado sobre o real. Segundo Evandro Capistrano Cunha, diretor industrial da empresa, os clientes querem baixar preços enquanto a Jovin estaria pressionada pela inflação nos custos, decorrente também da alta do dólar. A empresa, que exporta produtos da marca Motorola, ganhou dinheiro quando recebeu vendas realizadas 60 dias antes, com o dólar na faixa de R$ 1,60, diz Cunha. Agora, ele espera uma definição mais precisa do câmbio para saber como ficará o relacionamento com os clientes. A Jovin exportou US$ 300 milhões em 2007 e espera fechar 2008 com US$ 400 milhões, pouco menos de 10% do faturamento total da empresa. Exporta, principalmente, para a Inglaterra.

No segmento de eletrodomésticos também existe cobrança por parte dos importadores por alongamento de prazos e redução de preços, observa o presidente da BSH Continental para o Mercosul, Edson Grottoli. Embora os preços (sobretudo de itens de linha branca e linha marrom) tenham ficado mais competitivos por conta da depreciação do real, diz, a indústria teve aumento nos custos de produção devido ao reajuste dos salários com ganhos reais e à alta do dólar - que fez subirem os preços de alguns componentes importados, como chips, placas eletrônicas, componentes óticos que não têm produção local. "O que a BSH tem feito é minimizar o impacto desses custos com ganhos de produtividade. Mas há produtos que terão algum realinhamento [de preço]", afirmou Grottoli.

Sem entrar em detalhes, Grottoli disse que a empresa avalia flexibilizar preços e prazos, dependendo da relação entre custo e rentabilidade e também da necessidade de preservar um mercado específico. "As negociações ocorrem caso a caso, até porque o câmbio ainda não alcançou uma estabilidade", afirmou.

No segmento de plásticos, a situação é semelhante. O presidente do Sindicato da Indústria de Material Plástico de Santa Catarina, Albano Schmidt, afirma que os clientes em geral pedem desconto e mais prazo, mas a indústria não tem conseguido atendê-los por conta do aumento de preços de matérias-primas cotadas em dólar. "Não estamos dando descontos. Estamos é querendo repassar aumentos", diz ele, afirmando que não há liquidez para oferecer descontos nem prazos maiores. O setor revisou sua projeção de crescimento da receita para o ano para baixo e em outubro fez um corte de 340 pessoas em Santa Catarina por conta da crise. Há empresas que analisam dar férias coletivas.

Neste momento de desvalorização cambial por conta da crise, a indústria de revestimentos cerâmicos Eliane está negociando prazos e descontos com seus fornecedores e tentando retomar clientes que foram perdidos na Europa, após recolhimento da empresa diante da forte valorização do real ante o dólar que vigorava até então, conta o presidente da empresa, Edson Gaidzinski. "Estamos tentando embarcar o mais rápido possível para aproveitar a boa cotação", afirma. Para reconquistar os clientes estrangeiros, diz, não há necessidade de política agressiva de preços. "A empresa deverá ofertar seus produtos de forma competitiva, sem a necessidade de reposicionamento dos preços", diz ele. Sua expectativa para 2009 é manter o volume de exportação nos patamares de 2008, "com leve tendência de crescimento".

No setor de commodities também há pressão por mais prazo e menos preço. O presidente da Coopercentral Aurora, Mário Lanznáster, afirma que os importadores estão pedindo entre 5% e 10% de desconto na hora de comprar frangos e suínos, além de prazo maior para pagar a mercadoria. "Não temos como dar nem prazo nem desconto porque também não está fácil o capital de giro para a cooperativa", afirma. Segundo ele, países como Rússia, Ucrânia e Oriente Médio, que estão entre os mais importantes compradores do segmento, sofrem com a crise externa, sobretudo em função da queda no preço do petróleo.

Lanznáster explicou que em termos de resultado é melhor para a cooperativa vender as carnes que estão em portos à espera do embarque no mercado interno do que dar prazo maior aos importadores. Segundo ele, os pedidos dos importadores vão de 30 dias a 45 dias. Antes da crise, o pagamento era feito antecipadamente e a carga era então embarcada. Hoje, só de suínos são 2,5 mil cabeças estocadas pela Aurora. (Colaborou Cibelle Bouças, de São Paulo)