Título: Capacidade de liderança de Lula define impacto de crise na eleição"
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2008, Política, p. A8

A eleição das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado no começo do ano influenciará mais as articulações para a disputa presidencial de 2010 do que as eleições municipais que aconteceram neste outubro. Para o governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), será a escolha do futuro presidente da Câmara e do Senado que ditará a relação entre o PT e o PMDB no âmbito eleitoral. Petista com trânsito livre no PSDB, Déda não descarta o apoio do partido ao fim da reeleição, desde que no contexto de uma reforma política mais ampla. Divulgação

Marcelo Déda: governador de Sergipe teme o afastamento entre PMDB e PT em função de disputa no Senado

Derrotado na sua primeira incursão em eleições majoritárias, ao tentar a Prefeitura de Aracaju em 1985, Déda foi eleito e reeleito prefeito da capital em 2000 e 2004 e eleito governador em 2006, sempre com maioria absoluta. Para prefeito de Aracaju este ano apoiou o sucessor, Edvaldo Nogueira (PCdoB), que foi eleito em uma coligação que juntava PT e PSDB, um caso único entre capitais estaduais. E acredita que o cenário de crise econômica torna incerto o favoritismo do governo para ganhar as próximas eleições presidenciais.

A crise econômica surpreende o governador no momento em que sua administração se preparava para um salto em investimentos. Depois de executar um Orçamento de apenas R$ 28,1 milhões em 2007 e de projetar gastos de R$ 200 milhões este ano, o governo de Sergipe pretendia gastar em obras e novos serviços R$ 376 milhões no próximo ano.

A receita, que foi de R$ 3,6 bilhões em 2007 e deve passar para estimados R$ 4,5 bilhões este ano, tinha sido prevista em R$ 5,2 bilhões em 2009.

A crise pode ainda afetar a dívida consolidada do Estado. Para efeitos de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, a dívida caiu de R$ 1,3 bilhão no começo do governo para R$ 530 milhões no mês de agosto, o que corresponde a 14,7% da receita corrente líquida. Quando Déda assumiu, o nível de comprometimento era de 46,28%. O contrato de consolidação da dívida é corrigido pelo Índice Geral de Preços (IGP), fortemente impactado pelo câmbio. Segundo o secretário sergipano da Fazenda, Nilson Lima, contudo, um aumento da dívida não seria preocupante. "O nível de endividamento é muito baixo. A situação está sob controle", afirmou.

Por telefone, Marcelo Déda concedeu a seguinte entrevista ao Valor:

Valor: Governador, o fim da reeleição tende a voltar a ser discutido agora. Dirigentes da oposição acreditam que podem chegar a um acordo com a base governista para aprovar o fim deste instrumento, com base na necessidade de composição interna do PSDB e do possível interesse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em retornar ao cargo com o término do seu mandato. Há horizonte para este tipo de discussão?

Marcelo Déda: Sou por convicção muito crítico do instituto da reeleição. Defendo o mandato de cinco anos sem reeleição. Mas me preocupa esta discussão com viés utilitário, uma clara tentativa de adequar o calendário eleitoral com interesses de candidaturas. O fim da reeleição teria que estar dentro de uma reforma política, em que se discuta uma série de iniciativas. Debater o tema tendo em vista candidaturas é um erro de origem. É claro que este debate busca resolver o problema interno do PSDB, mas este é um assunto muito sério. Um dos institutos da reforma política não pode ser instrumento de um acordo circunstancial.

Valor: Que temas o senhor acha que poderiam ser agregados à discussão do fim da reeleição?

Déda: Naturalmente a fidelidade partidária no Brasil não pode se dar por uma sentença judicial, como acontece hoje. E acho que o calendário eleitoral precisa ser revisto. O sistema bienal de eleições é ruim, porque o governador precisa se envolver no processo eleitoral no meio de seu mandato. O governador precisa compor as alianças e arrisca-se a perder sua base na Assembléia Legislativa. Na hora em que se unificar eleições o sujeito não pode sair de uma prefeitura para ser deputado e os palanques regionais irão se consolidar. As alianças deixarão de ser fugazes.

Valor: O PMDB venceu estas eleições municipais. Que decorrências o senhor vê deste resultado para a eleição de 2010?

Déda: O PMDB tem mais peso relativo pela sua força no Senado e na Câmara. As eleições não aumentaram o peso dos pemedebistas na negociação de 2010. Mas a disputa pelas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado me preocupa.

Valor: Por que?

Déda: Quem mais quer uma disputa entre PMDB e PT no Senado é a oposição. Um acordo entre os dois partidos que leve o Michel Temer (deputado pemedebista de São Paulo) à presidência da Câmara e o Tião Viana (senador petista do Acre) ao comando do Senado equilibraria as forças e aproximaria bastante as duas legendas em 2010. Ultrapassa a simples questão partidária, é um arranjo que terá relevância institucional. O PMDB não construiu projeto de poder ou vocação de governo. Cumpre o papel fundamental de oferecer maioria aos governos eleitos.

Valor: E que maioria o PMDB construirá se ficar com a presidência da Câmara e do Senado?

Déda: Não sei. Por isso é que o jogo de alianças para 2010 é uma obra em andamento. A disputa pelas Mesas Diretoras é um risco institucional e um erro político.

Valor: Dentro do PT, o horizonte de crise econômico pode levar a uma revisão de quem terá a candidatura do partido?

Déda: O processo eleitoral tornou o partido coeso e ninguém erra se, analisando a conjuntura do momento, acreditar que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, é o nome mais forte de que dispomos. Sou um apoiador de seu nome dentro do partido. Não vejo mais ninguém no horizonte. Mas a definição precisa passar por avaliações que ainda não foram aprofundadas. Entre elas a do espaço do PT e da liderança pessoal do presidente Lula.

Valor: Dilma é a gerente do Programa de Aceleração do Crescimento. A crise deve provocar a desaceleração do crescimento. Isto não pode comprometer a sua candidatura?

Déda: A crise embute uma rara oportunidade de consolidar um perfil de liderança. Lula pode revelar um Brasil com capacidade de resistência maior que a média. A crise sempre tem um potencial desestabilizador. Nos Estados Unidos, estimulou uma onda de mudanças, que pode levar à vitória do candidato da oposição. É claro que preferiríamos ter em 2010 o cenário que havia até o primeiro semestre deste ano, mas tudo irá depender da qualidade da liderança do Lula. Ele poderá passar à história como o homem que venceu a mãe de todas as crises. Mas, agora, há um certo grau de imprevisibilidade, explorado com ansiedade pela oposição.

Valor: O resultado eleitoral e a crise econômica tendem a reforçar a polarização entre PT e PSDB em 2010, eliminando a possibilidade de uma terceira via competitiva?

Déda: O fator que falta definir é qual será o papel do governador Aécio Neves (PSDB-MG). Ele levará uma candidatura presidencial até as últimas consequências? O campo dele se restringe ao PSDB ou o ultrapassa? Se Aécio de fato tem pretensões, o relógio está em contagem regressiva e o tempo dele procurar outro partido está se esgotando. Sem Aécio, fica difícil pensar que a polarização será quebrada, porque o poder agregador de Lula é muito forte sobre os partidos que atualmente compõem a base.

Valor: No âmbito dos Estados, que impactos a crise econômica já provoca?

Déda: Há alguns recuos de investidores privados em certas áreas na indústria de alimentos e na indústria de transformação em Sergipe. Mas não quero me aprofundar, até pelo risco que representa a guerra fiscal com os Estados vizinhos.

Valor: A guerra fiscal entre os Estados foi impulsionada no início dos anos 90 por outra crise econômica. A crise atual pode relançá-la?

Déda: Sem dúvida alguma. A guerra fiscal ganha impulso em circunstâncias de crise. Farinha pouca, meu pirão primeiro.

Valor: Isto diminui as chances de a reforma tributária ser aprovada no Congresso?

Déda: Vai ser muito difícil tocar a reforma tributária, porque isto envolve convencer entes federativos a assumir perdas e todos vão resistir a fazer isto neste momento.

Valor: Do ponto de vista orçamentário, a crise já chegou em seu Estado?

Déda: A crise envolve medidas de precaução e prudência. Estamos trabalhando com a perspectiva de revisão completa do Orçamento do Estado, para ver o que poderemos controlar no custeio. Em 15 dias, devo receber uma proposta de redução de gastos. A meta é conseguir o que foi obtido no primeiro ano de governo, que foi um corte de custeio de 20%. Isto significa um corte de R$ 600 milhões. Nosso Orçamento global é de R$ 4 bilhões.

Valor: E o peso da questão cambial sobre a dívida do Estado?

Déda: Sergipe está enquadrado nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, nossa dívida é pequena. Mas a questão cambial está afetando a nossa política de tomada de crédito. Temos um projeto quadrienal, o Sergipe Cidade. É um conjunto de ações de apoio a arranjos produtivos locais e educação profissionalizante. Iríamos começar investindo R$ 350 milhões, complementando os recursos restantes com empréstimos do Banco Mundial e do BID. A proposta soma R$ 700 milhões. Agora dividimos o programa em módulos e vamos começar investindo R$ 250 milhões de recursos próprios e o restante do BNDES.