Título: Crise global desenha cenário desafiador
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2008, Especial, p. F4

Perspectiva de desaquecimento da demanda mundial, queda dos preços das commodities no mercado internacional, redução das vendas externas de produtos manufaturados, sem contar com o chamado "efeito China", ou seja, aumento da competição no mercado internacional e pressão competitiva interna e externa. A crise financeira internacional configura um cenário desafiador para a indústria brasileira. pisco del gaiso/fotosite/valor Humberto Barbato: proposta tem o objetivo de viabilizar a adoção de medidas concretas e rápidas de apoio às empresas, seguindo o exemplo do governo

A lista de preocupações mencionada pelo presidente do Conselho de Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Tigre, durante o debate sobre a Inserção Internacional da Economia Brasileira, no Encontro Nacional da Indústria (Enai), realizado em Brasília, na semana passada, não pára por aí. Inclui o risco de recrudescimento do protecionismo, maior ativismo de políticas industriais em alguns países, restrição de crédito à exportação e alta volatilidade da taxa de câmbio, o que dificulta a projeção de preços dos produtos.

Diante desse cenário, a saída é criar um comitê de gerenciamento da crise, integrado por representantes do empresariado e do governo, recomendou o presidente da Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato. A proposta tem o objetivo de viabilizar a adoção de medidas concretas e rápidas de apoio às empresas, seguindo o exemplo das ações tomadas pelo governo para evitar os efeitos negativos da crise no sistema financeiro brasileiro.

"O problema é muito grave e exige mudanças profundas", avaliou Barbato, para quem a atual crise mostra o erro de basear a pauta exportadora brasileira na venda de commodities, como vinha ocorrendo "até dois meses atrás". Presente ao debate, o diretor-superintendente da Associação Brasileira de Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, complementou: "O governo faz anúncios rápidos para o sistema financeiro, mas lentos para a indústria, que gera empregos". Pimentel lembrou que o setor têxtil e de confecções é responsável por 1,6 milhão de empregos diretos e 10 milhões indiretos no país.

Apesar das dificuldades, é preciso manter o otimismo e descobrir oportunidades na crise, acreditam os representantes da Abinee e da Abit. Para isso, o governo e as empresas devem ganhar eficiência e trabalhar de forma a resolver os gargalos que já existiam antes da crise. Em síntese, em paralelo à administração das dificuldades conjunturais, é necessário acelerar a implementação da agenda de competitividade e adotar medidas claras que permitam fortalecer a economia nacional em geral e o setor produtivo em particular.

Entre as medidas do governo para melhorar a competitividade do Brasil e desonerar as exportações, a secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Lytha Spíndola, citou a entrada em vigor, em 1º de outubro, do "drawback verde-amarelo". O regime permite que os insumos adquiridos no mercado interno e empregados na produção de bens exportáveis desfrutem do mesmo tratamento tributário já concedido aos insumos importados, que contavam com a suspensão, isenção ou restituição de impostos federais. Spíndola revelou ainda que o governo estuda uma eventual ampliação do sistema para que seja exclusivamente nacional.

Mas, a agenda de competitividade inclui também superar os entraves criados pela burocracia aduaneira, reduzir os custos de transporte no comércio entre o Brasil e seus vizinhos sul-americanos, maior acesso ao financiamento para a exportação e internacionalização das pequenas e médias empresas.

Com custos de transporte mais elevados do que nos demais países em desenvolvimento, em função de fatores como ineficiência portuária e aeroportuária, é preciso melhorar a infra-estrutura brasileira, intensificar a utilização de hidrovias, recuperar e ampliar a malha ferroviária, resume o documento de trabalho do Enai. Paulo Tigre, que também é presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), defendeu maior ênfase do governo nas iniciativas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que são prioritárias para o setor exportador.

O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, vislumbra três fases da crise: falta de liquidez internacional, problemas comerciais e crise cambial em países emergentes. "No caso do Brasil o problema é o crédito", avaliou. Castro propôs a extensão das operações de adiantamento de câmbio do Fundo de Aval, atualmente limitado aos financiamentos do BNDES às micro e pequenas empresas, e a adoção do seguro de crédito para os empréstimos à exportação.

Outra medida sugerida pelo vice-presidente da AEB foi a ampliação para a América do Sul do Sistema de Pagamentos em Moeda Local nas transações comerciais bilaterais, que dispensa o uso do dólar americano, e é aplicado no intercâmbio entre o Brasil e a Argentina desde o início de outubro. A iniciativa é importante porque os vizinhos sul-americanos compram 90% dos produtos manufaturados exportados pelo Brasil. Mas, por outra parte, o diretor do Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores, Carlos Cozendey, lembrou que o processo é complexo e demorado.

Durante o Enai, Cozendey lembrou que é difícil saber se a crise será um catalisador ou um impedimento de acordos comerciais. "Não sabemos qual o impulso que vai prevalecer, se maior abertura comercial ou maior protecionismo."