Título: Crise pode aliviar a área de energia
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Fonte: Valor Econômico, 03/11/2008, Especial, p. F9

Uma eventual desaceleração da economia brasileira, em conseqüência da crise financeira global poderá, paradoxalmente, trazer algum alívio para o apertado quadro de suprimento do setor elétrico projetado para os próximos anos. A expectativa é de que, se houver uma redução do ritmo de crescimento econômico brasileiro, ocorrerá uma desaceleração do consumo de energia, criando condições para um equilíbrio entre oferta e demanda.

"Já há sinais evidentes do efeito do estrangulamento do crédito decorrente da crise", diz o diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, Paulo Mayon. "Há empresas dando férias coletivas para os funcionários em um período típico de aquecimento da atividade industrial para atender a demanda natalina", acrescenta ele.

Com base nisso Mayon já trabalha com uma expectativa de expansão do consumo para 2009 inferior à oficial. Segundo ele, as projeções oficiais indicam que o consumo de energia elétrica, que deverá ficar em 384.688 GWh em 2008, atingirá 404.678 GWh em 2009. "Acreditamos que, diante dos sinais de desaceleração econômica, o consumo será, na realidade, 4 mil GWh menor", diz Mayon.

Com essa redução, o diretor-presidente da Anace calcula que há um volume de capacidade de geração correspondente a 500 MW médios que deixaria de ser acionado no próximo ano. "Não é pouca coisa, se considerar que uma usina do Rio Madeira terá 600 MW médios de energia", diz ele. Mayon acrescenta que, com essa demanda menor, o sistema elétrico contará com um fôlego maior para o período de 2009 a 2011, para quando se previu um cenário de suprimento apertado.

O analista da Unibanco Corretora, Marcos Severine, também considera que será possível ao setor elétrico providenciar a capacidade de geração necessária para atender ao crescimento da demanda no curto e médio prazos. Mas destaca, contudo, que a crise financeira internacional também poderá produzir efeitos desagradáveis para o setor elétrico no médio prazo.

Severine afirma que, se fosse realizado hoje o leilão das usinas do rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, licitadas no ano passado, o quadro seria diferente. "Acredito que o apetite dos players que manifestaram interesse seria menor, o que resultaria também em deságio menor", diz ele.

Segundo o analista da Unibanco Corretora, a expectativa é de que poderá ocorrer um aumento dos custos do setor. "Cerca de 65% dos equipamentos do setor são dolarizados, ocorrendo, portanto, uma influência do câmbio nos custos", diz o analista. Além disso, a valorização do dólar deverá ter impacto no endividamento das empresas do setor. "Os projetos deverão acompanhar o crescimento da demanda, mas deveremos ter uma energia mais cara", diz ele.

Segundo Severine, com a dificuldade de expansão da geração térmica a gás natural, tende a prevalecer nos leilões de energia nova os projetos de geração térmica com combustíveis fósseis, em especial o óleo combustível.

Nos sete remates de energia nova realizados desde 2005, foram comercializados mais de 5 mil MW médios de energia de projetos de geração a óleo combustível, segundo o Instituto Acende Brasil. Esse volume de energia correspondeu a mais de 35% do volume total negociado nesses leilões, de cerca de 14 mil MW médios. Especialistas afirmam que isso está contribuindo para "sujar" a matriz elétrica.