Título: Caminhada em vão
Autor: Trindade, Naira
Fonte: Correio Braziliense, 05/02/2010, Cidades, p. 21

Familiares dos seis jovens desaparecidos no município vieram a Brasília pedir o ingresso da Polícia Federal nas investigações. Possibilidade foi negada pelo Ministério da Justiça

Fotos: Cadu Gomes/CB/D.A Press Parentes e amigos dos jovens saíram da Catedral e marcharam até o Ministério da Justiça: receberam apoio de muitos brasilienses

No ministério, os manifestantes, munidos de faixas e cartazes, foram recebidos pelo secretário Luiz Paulo Barreto

O desespero das seis mães de Luziânia ¿ município goiano distante 66km de Brasília ¿ por notícias sobre o paradeiro dos filhos desaparecidos fez com que elas largassem suas residências e, acompanhadas de familiares e amigos, atravessassem a divisa que separa o Distrito Federal de Goiás em busca de ajuda das autoridades para que a Polícia Federal apoie a Civil na investigação dos casos. Dividido em dois ônibus, um grupo de aproximadamente 70 pessoas bateu à porta do Ministério da Justiça e do Congresso Nacional ontem. Recebidos nas visitas que duraram cerca de cinco horas, os manifestantes voltaram insatisfeitos e já planejam uma próxima viagem, na segunda-feira, a Goiânia, onde devem pedir a intervenção da PF ao governador Alcides Rodrigues (PP-GO). O drama dessas mães foi divulgado com exclusividade pelo Correio no último dia 16.

O sol nem havia nascido, às 7h de ontem, e os familiares já caminhavam até o ponto combinado onde pegariam os ônibus com destino a Brasília. No peito, carregavam a estampa das fotos dos adolescentes desaparecidos. Nas mãos, faixas amarelas com pedidos de socorro e agilidade na solução dos casos. Ainda cansadas de noites mal dormidas, as mães conversaram durante a viagem, que durou pouco menos de uma hora. A primeira parada foi a Catedral de Brasília, de onde seguiram a pé até o Ministério da Justiça. Durante o trajeto ¿ que ocupou duas faixas na Esplanada dos Ministérios ¿ motoristas e pedestres se mostravam solidários à luta. A Polícia Militar do Distrito Federal ajudou na organização da caminhada, que não causou transtornos aos condutores.

No Ministério da Justiça, o secretário executivo, Luiz Paulo Barreto, recebeu os familiares e se mostrou solidário. No entanto, ele descartou a participação da Polícia Federal no caso e explicou que essa intervenção só será possível após o pedido do governador do Estado. O secretário alegou também que a PF age em apenas três casos: crimes federal, interestadual (quando as polícias de dois ou mais estados ficam impedidas de agir) ou quando há uma requisição do Estado ao Ministério da Justiça.

¿Ainda nesta manhã (ontem) liguei para o secretário de Segurança Pública, Ernesto Roller, para conversar sobre o andamento das investigações. Ele agradeceu (a ajuda federal), mas disse que a Polícia Civil está muito envolvida e que não vê necessidade (da participação da PF nas investigações). Ontem, o ministro Tarso Genro estava em São Paulo, na Caravana da Anistia, e não pôde receber as mães. Ernesto Roller e o governador Alcides Rodrigues não retornaram às ligações do Correio.

Requerimento Na Câmara dos Deputados, parlamentares da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Crianças e dos Adolescentes Desaparecidos aprovaram ontem um requerimento ao Ministério da Justiça para que a PF comece a investigar o mistério. Na ação, o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP) sugeriu que as duas polícias trabalhem em conjunto para agilizar nas buscas ou que a PF entre no caso apenas para dar um suporte ¿instrumental¿ nas investigações realizadas pela CPI.

O secretário executivo Luiz Paulo Barreto, no entanto, alegou que os parlamentares não têm poder de fazer esse pedido e que a PF não pode ser convocada para auxiliar nas investigações da comissão. Durante a visita dos parlamentares ao ministério, uma situação embaraçosa os deixou nervosos. Barreto se recusou a recebê-los com as mães. ¿Caso Genro não atenda nossa solicitação, ele será convocado a depor na CPI para dar explicações sobre a negativa¿, ameaçou Macris. Ele reclamou também da falta de providências para a implantação do cadastro nacional de desaparecidos, previsto em lei sancionada em 17 de dezembro passado.

Os seis jovens sumiram no Parque Estrela Dalva, bairro de Luziânia, durante o dia. O primeiro a desaparecer foi Diego Alves Rodrigues, 13 anos, em 30 de dezembro de 2009. O menino nunca havia dormido uma noite fora de casa, o que fez com que a família procurasse a polícia imediatamente. Em 4 de janeiro, outro jovem desapareceu do bairro. Dessa vez, era a família de Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16, que iniciava a via crucis em busca do adolescente. Na sequência, passaram a ser procurados George Rabelo dos Santos, 17; Divino Luiz Lopes da Silva, 16; Flávio Augusto Fernandes dos Santos, 14; e Márcio Luiz de Souza Lopes, 19.

AINDA SEM NIVIDADES Com a visita das mães a Brasília, a 17ª Delegacia Regional de Luziânia teve um dia menos agitado ontem. Nem imprensa nem familiares dos rapazes desaparecidos foram ao local em busca de respostas.

O delegado regional José Luiz Martins, coordenador da equipe que investiga os casos, passou o dia reunido com agentes e delegados da Polícia Civil de Goiânia. Ele mantém a posição de não pedir ajuda da Polícia Federal e rebateu as críticas feitas pelas mães durante audiência da CPI das Crianças e dos Adolescentes Desaparecidos da Câmara dos Deputados, na quarta-feira, em Luziânia. Elas reclamaram que a polícia só as procurava para pedir pistas dos garotos. ¿Isso é um absurdo. Não procede¿, desmentiu Martins. ¿As visitas existem, mas servem para alertar as famílias sobre alguns avanços na investigação¿, disse.

Análise da notícia A vida acima da vaidade

Rosane Garcia

As autoridades policiais de Luziânia ainda não se convenceram da sua fragilidade para dar uma resposta justa e esperada aos familiares dos seis jovens desaparecidos. A insuficiência e a insensibilidade para os casos que semeiam desespero e pânico no município ficaram claras na audiência pública de quarta-feira última. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente determine que em situações semelhantes o registro da ocorrência deve ocorrer no mesmo dia, uma das mães só conseguiu fazer a notificação 48 horas depois de constatar o sumiço do filho. Mas o episódio não deu a largada às investigações. Elas só começaram cerca de 15 dias depois, quando o número de desaparecidos chegou a cinco. Lá se vão mais de 30 dias sem que os familiares tenham uma resposta à angústia de não saberem o paradeiro de seus meninos. Mesmo assim, os policiais goianos rechaçam a possibilidade de auxílio da Polícia Federal, quando deveriam ter tomado a iniciativa de pedir ajuda. Acima da vaidade corporativa está a vida de seis jovens, cujo eventual defeito, talvez, seja o de terem nascido no bairro mais pobre do município.