Título: Brasil espera não-intervenção na América Latina
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2008, Internacional, p. A12

O Brasil espera que o futuro presidente dos EUA, Barack Obama ou John McCain, pratique uma política de não-intervenção na América Latina e aceite que a região tem seu próprio processo de integração. Para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, isso "resultará em um relacionamento mais adulto não só do Brasil mas de outras nações com os EUA". Ruy Baron/Valor Amorim: "Simpatias não alterarão o rumo da nossa relação, de Estado a Estado"

O ministro apontou como um dos "irritantes na relação com Washington" a recente reativação da Quarta Frota americana para operar na América Latina. Para ele, "não é um bom sinal tratar a região como de risco, quando ao contrário é de paz".

A expectativa brasileira é que a novo governo americano comece trabalhando no combate à crise financeira, reconhecendo que as economias ricas não podem resolver o problema sozinhas. O governo Bush já convidou o Brasil e outros emergentes para a reunião de cúpula do dia 15, em Washington.

O país espera que a ação do novo governo americano contra a crise financeira seja complementada por avanço na área comercial. Para Amorim, a principal medida para a economia real seria concluir a Rodada Doha, o que implica concessões americanas na redução substancial de subsídios agrícolas.

No plano político, o Brasil espera que os EUA reconheçam que o mundo atravessa um momento de transição importante e que é preciso haver mudanças não só na arquitetura financeira, mas na governança global. Isso significa formalizar reformas que dêem ao Brasil e a outros emergentes maior influência em mecanismos como o Conselho de Segurança da ONU, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

Na América Latina, além da política de não-intervenção, Amorim reitera a posição brasileira contra embargos e isolamentos e diz que uma "atitude mais flexível em relação a Cuba será muito positiva".

Indagado sobre os candidatos, o ministro disse que "o Brasil vai ter de lidar com a situação, seja ela qual for". "Preferências podem existir, a imagem de um presidente americano com avó africana é muito forte. Mas simpatias não alterarão o rumo básico da nossa relação, de Estado a Estado".

Ele lembrou que, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva estava para se eleger, alguns jornais americanos que apoiavam o presidente Bush chegaram a dizer que o Brasil entraria no "eixo do mal" regional (com Venezuela e Cuba) e que não haveria diálogo.

"No entanto, houve diálogo muito positivo. O Brasil é o maior país da América Latina, tem presença e influência em vários foros internacionais", observou.

Amorim qualificou de "boas, muito pragmáticas e mutuamente respeitosas", as relações do governo Lula com a administração Bush. Mesmo a negociação fracassada da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não criou mal estar. "Em vários outros assuntos temos divergências, mas nunca configuraram situação de atrito", disse.

Ele destacou que o governo americano acatou posições "e até conselhos" do Brasil na crise da Venezuela, quando foi montado o grupo de amigos desse país, evitando o agravamento da situação.

Agora, Amorim constata que "a história está se acelerando mais do que a capacidade das pessoas entenderem", e visivelmente espera que a nova administração americana seja capaz de compreender o novo cenário.

Exemplifica a aceleração com a participação ampliada prevista para o Brasil e outros emergentes no G-8, espécie de diretório econômico do planeta. Segundo Amorim, mexer no G-8, grupo informal, é positivo, mas é importante que haja mudanças em instituições formais. Nesse cenário, uma das mensagens do Brasil para a reunião de cúpula do dia 15, em Washington, é de que a reforma da arquitetura financeira internacional dê mais poder de voto ao Brasil no FMI e no Banco Mundial, e que esses organismos tenham capacidade de supervisionar as economias dos países ricos, ainda mais depois da crise financeira global.

Quanto ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, a avaliação brasileira é de que tanto Obama como McCain "têm boa compreensão" da importância de reformar esse mecanismo. "Não dizemos que é indiferente quem ganha, mas que é um processo que vai continuar", afirmou.