Título: Crise é oportunidade para repensar modelo de crescimento, diz Stern
Autor: Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2008, Brasil, p. A2

A crise financeira internacional pode ser uma boa oportunidade para que os países repensem sua forma de crescimento, ainda calcada na exaustão de recursos naturais e emissões de gases nocivos ao ambiente em nome do desenvolvimento. A criação de tecnologias limpas, além de abrir novas frentes "verdes" de trabalho, nunca será tão essencial ao planeta. E o Brasil poderá ser um exemplo desta nova tendência, se tiver vontade política para assinalar ao resto do mundo o caminho que deve ser seguido. Marisa Cauduro/Valor

Sir Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial: "Ignorar riscos significa ampliá-los"

É um economista quem fala, e com a propriedade de poucos. "Ignorar riscos significa ampliá-los e a crise financeira é uma lição clara para ser aplicada às mudanças climáticas", afirma sir Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-assessor do governo britânico, que passou os dois últimos dias em visita a São Paulo. "Quando os tempos são difíceis, utilizar os recursos de forma mais eficiente se torna urgente."

Autor de um dos mais renomados trabalhos econômicos sobre a mudança no clima, Stern prevê dias difíceis à frente e não vê um acordo global certo e fácil para o período pós-Kyoto. Para ele, a sinalização dos países em desenvolvimento será crucial a partir de agora. "Vocês, Brasil e Índia, precisam liderar as discussões", disse o economista, que, horas antes, brindara (com água) com executivos na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) o fim da era Bush nos Estados Unidos.

O economista britânico quer mudanças - rápidas e substanciais. Minimiza a importância do etanol de cana como combustível do futuro. "Poderia fornecer apenas uma pequena fração do que o transporte mundial precisa. Prefiro a tecnologia de carros elétricos ou combustível de segunda geração", afirmou. Stern mostra também que os tempos mudaram: descobertas de novos campos de petróleo, como o pré-sal brasileiro, devem ser consideradas apenas se acompanhadas de mitigação de gases - o armazenamento de CO2 gerados no processo, por exemplo. "Ou então não devem ser operados", disse.

Suas declarações parecem duras, embora há quem ache seus números conservadores. Daí a pressão que ele faz por mudanças de fundo. É autor do relatório homônimo de talvez maior impacto sobre o aquecimento global já publicado. Enquanto o estudo dos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sacramentou o homem como principal responsável pela elevação da temperatura e o impacto que isso terá sobre o planeta, Stern calculou o custo das mudanças climáticas ao bolso do mundo - a linguagem para fazer entender políticos e colegas economistas.

O documento publicado em 2006 afirma, entre outras coisas, que os gastos anuais para estabilizar as emissões de CO2 seriam de 1% do PIB mundial até 2050. Se nenhuma ação de mitigação fosse tomada, o efeito reverso e perverso: o PIB mundial poderia ser reduzido em até 20% no período.

Isso, dois anos atrás. O momento financeiro difícil atual e a falta de ação dos países desde a publicação do estudo fizeram com que o economista britânico ajustasse informalmente alguns pontos de seu relatório. Em primeiro lugar, o recuo do PIB poderia chegar a 30%. "Os riscos são maiores do que antecipamos. Diria que pode chegar a 30%. É muito maior do que o custo da ação", disse Stern.

Ele também argumenta que a concentração de gases-estufa, que superaquecem o planeta, teria de ser inferior ao que previra anteriormente. Manter como limite máximo uma concentração 550 ppm (partes por milhão) na atmosfera seria "arriscado". Com esse nível, crescem as chances de a temperatura subir 5°C até 2050. "Atingiremos 450 ppm em oito anos", alerta. O nível atual de concentração é de 430 ppm.

"Os efeitos serão mais rápidos do que os cientistas presumiam", diz Stern. "Mas estou otimista em relação à tecnologia e o modo como ela evoluiu nos últimos dois anos, notável. O entendimento internacional sobre o assunto também aumento neste tempo."

Em sua quarta visita ao Brasil, Stern passou os últimos dois dias em São Paulo, onde deu palestras e reuniu-se com pesquisadores brasileiros que trabalham no desenvolvimento da versão brasileira de seu relatório - o impacto das mudanças climáticas para a economia brasileira. Intitulado "A economia do clima", o trabalho reúne especialistas renomados da Embrapa, Unicamp, Fipe e Ipea, e deverá ser apresentado em junho do próximo ano. México, Austrália e China trabalham em documentos semelhantes.

Stern viajou ontem para Brasília, para uma agenda apertada de reuniões com autoridades do governo. O ministro de Assuntos Estratégicos do presidente Lula, Mangabeira Unger, iniciará os encontros, seguido pela secretária de Assuntos Climáticos, Suzana Kahn e Sérgio Rezende, ministro de Ciência e Tecnologia. Perguntado sobre o que esperar do Brasil, ele apenas sorriu. "Nunca sei o que esperar quando vou para uma conversa. Sou agora um acadêmico, e essa é a parte boa. Não estou negociando nada."