Título: Lula pede a Obama sinais concretos de mudanças nos EUA
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2008, Especial, p. A16

Satisfeito com a eleição do democrata Barack Obama, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer ver, porém, sinais concretos da mudança simbolizada pelo primeiro homem negro escolhido para presidir os Estados Unidos. Por isso, cobrou, em sua primeira declaração pública sobre as eleições americanas, o fim do embargo econômico imposto pelos EUA a Cuba. "Não há mais nenhuma explicação na história da humanidade para continuar o bloqueio a Cuba", disse Lula, após uma cerimônia ontem de manhã em Brasília, ao declarar que espera que Obama decrete o fim do bloqueio. Sérgio Lima / Folha Imagem

Lula, acompanhado de Marisa Letícia e do ministro Fernando Haddad, durante cerimônia no Palácio do Planalto

"Acho que o Obama vai dar certo", comentou um sorridente Lula a assessores, ontem de manhã, após receber o relato sobre os resultados das eleições dos EUA. Ao falar publicamente sobre o eleito, porém, após comemorar o "feito extraordinário" da eleição e fazer votos de sucesso, Lula lembrou que, "de qualquer forma, há uma diferença muito grande entre ganhar uma eleição e governar um país como os Estados Unidos".

"Vamos esperar ele tomar posse para ver o que vai acontecer", declarou, cauteloso. O tom adotado por Lula é o mesmo das conversas informais de diplomatas e assessores graduados do presidente: expectativa de que a eleição de Obama represente mudanças positivas importantes na política externa dos Estados Unidos, em favor de maior multilateralismo, mas, reservadamente, dúvidas sobre as reais possibilidades para que que o novo presidente atenda a reivindicações de países emergentes como o Brasil. Os poderosos grupos de pressão americanos, influentes no Congresso dos EUA, fixam limites à ação do Executivo naquele país.

Lula, há uma semana, visitou Cuba, encontrou-se com o presidente, Raúl Castro, e fez de lá declarações simpáticas a Obama, o que indica que não foi acidental a referência feita pelo brasileiro ao embargo econômico que sufoca a economia da ilha. Assessores do presidente avaliam que Obama não retirará o embargo, como já anunciou um de seus principais assessores para assuntos externos, Dan Restrepo, que, no entanto, confirmou a decisão do então candidato de retirar a proibição de remessas de dinheiro a Cuba por imigrantes nos EUA e de viagens desses imigrantes à ilha.

Obama pode, porém, ter flexibilidade nas negociações para o fim do bloqueio econômico, e Lula pretende cobrar o fim do embargo como uma prova de que tem fundamento a expectativa de mudanças levantada pela eleição. "Estou certo que, sob a liderança de Vossa Excelência, os EUA responderão a esses desafios inspirados pela "intensa urgência do agora" demandada por Martin Luther King", disse Lula, na mensagem ao eleito.

No Palácio do Planalto, as autoridades acreditam que o continente latino-americano ficará em segundo plano, apesar das afirmações de Restrepo de que Obama nomeará um assessor exclusivamente para evitar o afastamento da América Latina que caracterizou o governo Bush. Mas o governo brasileiro compreende que Obama terá, como prioridades, a crise financeira e a guerra do Iraque.

Sempre que comentam a eleição, auxiliares de Lula lembram que o governo Bush manteve estreita colaboração com o governo brasileiro, com quem firmou alianças, por exemplo, em torno do programa de etanol. Na semana passada, ao passar por Brasília para anunciar um acordo contra o racismo, o subsecretário de Estado de Bush para as Américas, Thomas Shannon, foi eloqüente ao elogiar o governo brasileiro e falar da estreita cooperação com os Estados Unidos

O Itamaraty espera que os acertos entre as duas administrações sejam levados à equipe de transição nos EUA, e defendidos por gente como o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, William Burns, designado por Bush para contatos com a equipe de Obama e com estreitas relações no governo brasileiro.

"A vitória de Obama representa, sobretudo o significado da democracia", comemorou Lula, que, na mensagem enviada ao eleito, elogiou o "momento de superação histórica" nos EUA e a "capacidade transformadora" da democracia e da economia americanas. "Sua eleição provou que não há barreiras nem preconceitos que não possam ser vencidos", endossou o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, em mensagem também enviada a Obama. Lula tentava, na noite de ontem, um contato telefônico com o eleito.

Há dúvidas entre integrantes do governo brasileiro sobre as condições que Obama terá de avançar com a agenda ambientalista do partido democrata, considerada a pesada influência dos lobbies dos produtores de carvão, responsáveis por boa parte do abastecimento energético do país. Outros temas também passarão pelo crivo dos grupos de pressão empresariais.

Em entrevista, Lula disse esperar uma relação mais forte com a América Latina e com a África e um acordo de paz no Oriente Médio. Obama foi acusado de ingenuidade pelos rivais republicanos ao declarar que procuraria, para negociações, líderes políticos considerados inimigos pela administração Bush, como os presidentes do Irã, Mahmud Almadinejad, e o da Venezuela, Hugo Chávez. Seus assessores já adiantaram, porém, que não será uma oferta de negociações incondicional e que qualquer reunião será precedida de "certas" pré-condições.