Título: Política externa vai priorizar aproximação com inimigos
Autor: Solomon , Jay
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2008, Internacional, p. A12

A política externa do presidente eleito dos EUA, Barack Obama, vai se concentrar em atrair antigos adversários do país e refazer alianças corroídas durante os oito anos de mandato de George W. Bush.

Obama e seus assessores estão estudando maneiras de cooptar Irã e Síria, países vistos como fundamentais para as esperanças americanas de estabilizar o Afeganistão e o Iraque e forjar uma paz abrangente no Oriente Médio.

Na América Latina, Obama e seus auxiliares falam em mudar a política tradicional dos EUA para a região e abordar mais diretamente os líderes comunistas de Cuba e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Assessores de Obama dizem que uma abertura para Havana e Caracas poderia de fato minguar o apelo de suas políticas esquerdistas e conter a expansão da influência de Chávez na região, bancada por petrodólares.

O grupo de Obama também está desenvolvendo planos para amenizar tensões entre os EUA e o mundo islâmico. Assessores disseram que Obama pode fazer um grande discurso numa capital islâmica em seus primeiros cem dias no poder.

Durante a campanha, Obama prometeu romper com a abordagem intervencionista e muitas vezes unilateral do governo Bush - um estilo desenvolvido depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

O presidente eleito aludiu a essa promessa em seu discurso da vitória, terça-feira à noite. "A todos aqueles assistindo esta noite além das nossas praias, em parlamentos e palácios, àqueles agrupados ao redor de rádios em cantos esquecidos do mundo (...) uma nova aurora da liderança americana está à mão", disse ele.

Obama também prometeu ir além da hostilidade do governo Bush em relação à Organização das Nações Unidas e outros organismos internacionais que existem para limitar o poder dos Estados Unidos, como o Tribunal Penal Internacional.

Mas é bem provável que ele vá enfrentar inúmeros obstáculos em sua campanha para reorientar a política externa americana numa época de mudança dos centros de poder do mundo, dizem diplomatas e estrategistas dos EUA.

Como candidato, Obama aplaudiu recentes esforços dos EUA e seus aliados para usar diplomacia e ajuda econômica ao tentar pôr fim aos programas nucleares do Irã e da Coréia do Norte. Esses esforços praticamente fracassaram e o novo presidente pode enfrentar várias crises de proliferação de armamentos em seu primeiro ano, dizem membros do governo Bush.

Impasses diplomáticos podem premir Obama a seguir algumas das táticas linha-dura de seus predecessores. Na campanha, o senador costumava dizer que deixaria "todas as opções sobre a mesa" ao confrontar as ambições nucleares de Irã e Coréia do Norte. E ele disse que se reservaria o direito de usar ataques unilaterais para perseguir líderes da Al Qaeda no Paquistão.

"Muita gente acha que o governo Bush está indo embora e estamos de volta aos bons velhos tempos, mas os problemas também eram um sintoma de mudanças no mundo", diz Charles Kupchan, um membro sênior do centro de estudos nova-iorquino apartidário Conselho de Relações Exteriores. "Algumas coisas vão mudar, mas outras não."

A Presidência de Obama pode ser restringida em sua política externa pela ascensão de potências como a China e a Rússia, que têm usado o Conselho de Segurança da ONU para proteger contra pressão internacional países como o Irã, Mianmar e Zimbábue. Tentativas recentes de criar um regime mundial de comércio também empacaram devido a objeções de mercados emergentes como o Brasil e a Índia, que estão dispostos a confrontar a agenda econômica do mundo desenvolvido.

A equipe de política externa de Obama será desafiada a criar maneiras de administrar ameaças internacionais como o aquecimento do planeta. Entre as propostas aventadas está ampliar o Conselho de Segurança para refletir as alterações do equilíbrio de poder, assim como o uso maior do G-20 para as economias industrializadas.

A estratégia de Obama para o Irã envolveria oferecer maiores laços econômicos e diplomáticos em troca de Teerã suspender o desenvolvimento de combustível nuclear. Mas o governo teocrático iraniano tem demonstrado pouco interesse numa proposta similar da Europa. E muitos especialistas em Irã temem que contatos diretos entre líderes americanos e o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad possam fortalecer este para as eleições de 2009 em seu país.

"Temos negociado durante cinco anos com os iranianos (...) e chegamos à conclusão de que eles não estão interessados em negociar, mas sim em ganhar tempo para seu programa militar", disse a diretora de assuntos estratégicos da Comissão de Energia Atômica da França, Thérèse Delpech, em Washington no mês passado.

Muitos analistas crêem que o governo Obama poderia ter um impacto maior na Síria, que está buscando negociações de paz indiretas com Israel para tentar resolver a disputa de ambos sobre as colinas de Golã. O governo sírio já deu a entender que poderia estar disposto a cortar seu apoio a grupos militantes como o Hezbollah e o Hamas em troca de melhores laços com Washington e o Ocidente.

Quarta-feira, o ministro de Informação da Síria, Mohsen Bilal, saudou a eleição de Obama e disse esperar que ela vá "ajudar a mudar a política dos EUA, de guerras e embargos para diplomacia e diálogo".

Difícil de mensurar é o efeito da promessa de reconciliação de Obama para encorajar governos a aprofundar suas relações com Washington depois de oito anos em que o compromisso dos EUA com o império da lei foi questionado por muitos no exterior.

Terça-feira à noite, Obama visou a audiência fora dos EUA ao dizer: "Para todos aqueles que se perguntaram se a tocha da América ainda ilumina tanto, hoje provamos mais uma vez que a verdadeira força da nossa nação não vem da força de nossos braços ou do tamanho de nossa riqueza, mas do perseverante poder de nossos ideais."