Título: Rússia adota postura mais dura com EUA
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Fonte: Valor Econômico, 06/11/2008, Internacional, p. A13

O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, usou seu primeiro discurso anual sobre o estado do país para atacar os EUA, tachando-os como responsáveis pela crise financeira mundial, e prometer uma resposta dura aos planos americanos de instalar um escudo antimísseis com bases no Leste Europeu. Medvedev disse que vai colocar mísseis russos perto da fronteira com a Polônia.

"Para neutralizar, se necessário, o sistema antimísseis dos Estados Unidos, um sistema de mísseis Iskander será posto na região de Kaliningrado", disse Medvedev, em um discurso transmitido pela TV estatal. Kaliningrado é uma conturbada região no Báltico, encravada entre a Polônia e a Lituânia.

Ele afirmou ainda que a Rússia esmagaria eletronicamente o sistema americano, que terá partes instaladas tanto na Polônia e quanto na República Tcheca.

Pelo lado econômico, Medvedev disse que "é hora para agir" para criar um novo sistema econômico global. Para ele, reformas radicais são necessárias urgentemente, sendo que os EUA, a União Européia e os Bric - Brasil, Rússia, Índia e China - devem agir juntos para criar esse novo sistema "mais justo e mais seguro".

Ele culpou os EUA de serem responsáveis pela maior crise mundial desde os anos 30: "[Washington] criou uma bolha para garantir seu próprio crescimento e não consultou os outros países nem adotou nenhuma salvaguarda".

O tom áspero e os repetidos ataques aos EUA, no dia seguinte à eleição de Barack Obama como novo presidente americano, surpreenderam alguns observadores, que esperavam um estilo mais leve e detalhes sobre como a Rússia pretende conter a crise.

Antes do discurso, em um comunicado, ele havia pedido ao presidente eleito Barack Obama "um diálogo construtivo" baseado na "confiança", depois que as relações entre Moscou e Washington se deterioraram muito sob a Presidência do republicano George W. Bush. "A Rússia está convencida da necessidade do desenvolvimento progressivo das relações" bilaterais, destacou o chefe de Estado russo, afirmando que existe para isso "um potencial positivo e sólido".

A pregação de uma nova ordem mundial ocorre depois do pior mês para os investidores russos em mais de dez anos. O índice RTS, das principais ações do país, caiu 36% em outubro, o maior declínio mensal desde que o governo desvalorizou o rublo e colocou em default a dívida interna em 1998. Os investidores tiraram cerca de US$ 140 bilhões da Rússia nos últimos três meses, de acordo com o BNP Paribas.

"Ao criar uma bolha para garantir seu próprio crescimento", os EUA deixaram de coordenar sua política econômica com outros países e não adotaram salvaguardas, disse ele. "Vamos superar as consequências da crise financeira global e sairemos dessa situação ainda mais fortes", prometeu o presidente russo.

Ele também expressou apoio à idéia de aumentar de quatro para seis anos a duração do mandato presidencial na Rússia, e sugeriu o fortalecimento do "controle do Poder Executivo" por meio da obrigação do governo de "prestar contas anualmente à Duma", a câmara baixa do Parlamento.

Para entrar em vigor, tal mudança precisa ser aprovada por dois terços do Parlamento, uma maioria que possui o partido Rússia Unida, presidido por Vladimir Putin. Para muitos observadores, o ex-presidente e atual premiê continua sendo o verdadeiro líder do Executivo no país.

"O homem que toma as decisões não é Medvedev, é Putin. E isso não vai mudar em um futuro próximo", disse Maria Lipman, analista do Centro Carnegie de Moscou.