Título: Teerã anuncia novas usinas
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 09/02/2010, Mundo, p. 20

Medida faz Estados Unidos e França prometerem aumentar pressão contra o programa nuclear do regime islâmico

Às vésperas do aniversário de 31 anos da Revolução Islâmica, o governo do Irã resolveu mostrar ao mundo que seu programa nuclear está mais ativo do que nunca. Depois de o presidente Mahmud Ahmadinejad ordenar o início do enriquecimento de urânio a 20% ¿ bem acima dos 3,5% conseguidos até agora pelas usinas do país ¿, o enviado iraniano a Viena, Ali Asghar Soltanieh, afirmou que 10 novas usinas como a de Natanz serão construídas no país até o fim de 2011. Soltanieh, que formalizou ontem o anúncio de sua decisão à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), afirmou, contudo, que inspetores da agência teriam acesso completo e poderiam monitorar o processo de enriquecimento a 20%, que começa hoje.

As recentes decisões de Teerã motivaram reações dos países ocidentais mais envolvidos nas negociações para frear o programa nuclear iraniano. Em Paris, após um encontro bilateral, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, e o ministro de Defesa da França, Hervé Morin, defenderam novas sanções ao país. ¿O único caminho que nos restou, nesse ponto, me parece ser o caminho da pressão. Mas isso exigirá que toda a comunidade internacional aja junto¿, disse o secretário americano. O ministro francês destacou que a comunidade internacional tentou dialogar ¿durante meses¿ com o Irã, em vão. ¿Infelizmente, será necessário um diálogo internacional que conduzirá a novas sanções¿, afirmou. O chanceler francês, Bernard Kouchner, lembrou, no entanto, que não será fácil ter o apoio de todos os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU ¿ em especial, da China ¿ para aprovar um novo pacote de sanções.

O governo brasileiro, que tem demonstrado uma aproximação cada vez maior com Teerã, se limitou a dizer que, mesmo com os anúncios dos últimos dois dias, as ¿conversas continuam¿ para tentar convencer o Irã a negociar com o Ocidente. O diretor do programa nuclear iraniano, Ali Akbar Salehi, declarou ontem, inclusive, que seu país não fechou a porta para uma eventual troca de combustível nuclear com as grandes potências. ¿Nossa proposta continua vigente e estamos dispostos a receber o combustível e, quando o recebermos, cessaremos o enriquecimento a 20%¿, garantiu. Segundo o governo iraniano, o material enriquecido a essa porcentagem é necessário para fazer funcionar reatores que servem para tratamento contra o câncer.

Ontem, o governo de Ahmadinejad ainda anunciou que vai fabricar ¿em um futuro muito próximo¿ um sistema antimísseis mais potente que o S-300 russo, cuja entrega a Teerã foi suspensa por Moscou. ¿Produzimos nós mesmos todos os nossos equipamentos de defesa antiaérea. Em apenas um caso havíamos decidido importá-los, e os russos não nos entregaram o sistema por motivos injustificáveis¿, disse o general Heshmatola Kassiri, alto funcionário da Defesa iraniana.

¿Direito violado¿ Para Clifford May, presidente da Fundação para a Defesa das Democracias, em Washington, as recentes movimentações de Teerã mostram que o governo tem ¿toda a intenção de continuar a violar o direito(1) internacional¿. ¿Eles querem armas nucleares, e, a menos que sejam freados, vão adquirir. O presidente Ahmadinejad e o aiatolá Khamenei não estão interessados em negociar de verdade¿, opina May.

O especialista da George Mason University Mark Katz afirma não saber se as demonstrações dos últimos dias refletem ¿autoconfiança, impaciência ou até mesmo desespero¿ do regime islâmico. ¿Como o Irã tem feito progressos reais em seu programa nuclear em segredo, o anúncio de Ahmadinejad de que Teerã vai fazer essas coisas me sugere que elas são mais parte de sua estratégia de negociação do que o seu plano real¿, avalia. ¿Eles querem mostrar ao público interno que Ahmadinejad é uma figura forte, patriótica, que não vai deixar o Irã ser chutado pelo Ocidente.¿

1 - Perseguição a jornalistas Sites de oposição ao governo iraniano informaram ontem que subiu para 55 o número de jornalistas atualmente detidos no país, depois da prisão de nove profissionais nos dois últimos dias. Segundo o site Kaleme, do candidato à Presidência derrotado e líder da oposição Mir Hossein Mousavi, um dos presos é o editor-assistente de um importante jornal da oposição. Já o Parleman News, mantido pela minoria do Parlamento, afirma que uma jornalista, que não estava entre os nove citados pelo Kaleme, também foi detida no domingo. O motivo das prisões não foi revelado. A oposição pediu a seus partidários que se manifestem durante a comemoração do aniversário de 31 anos da Revolução Islâmica.

¿Confiamos no Brasil¿, afirma embaixador

Viviane Vaz Arquivo/ABr Shaterzadeh: energia nuclear para agricultura, medicina e eletricidade

O embaixador do Irã no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, defendeu ontem o uso da energia nuclear e o enriquecimento de urânio para fins pacíficos. O diplomata rebateu a reação de países que condenaram o que chama de ¿desenvolvimento¿ do país e espera que o Brasil continue a respeitar o programa iraniano. ¿Nós confiamos no Brasil. Acreditamos que as autoridades brasileiras têm conhecimento da situação e da posição iranianas. O Brasil, ao contrário de outros países que tiveram fortes reações, não é um país que pensa em colonizar outro país¿, afirmou Shaterzadeh, em entrevista coletiva.

O embaixador confirmou que o trabalho de enriquecimento do urânio começará amanhã e será usado para ¿fins medicinais¿, para ¿agricultura¿ e para ¿produção de energia elétrica¿. ¿Estamos de acordo com as normas internacionais. Não violamos nenhuma regra e por isso não entendemos essa reação. Esses países devem primeiro destruir seus armamentos nucleares para depois darem conselhos para os outros¿, disse Shaterzadeh sobre os países que vem criticando o programa nuclear iraniano, como os Estados Unidos.

Shaterzadeh também destacou que o Irã continua disposto a comprar urânio enriquecido de terceiros países e que o enriquecimento nacional surgiu pelas restrições impostos ao comércio do mineral com seu país. ¿O Irã resolve suas próprias necessidades e não fica esperando¿, disse. ¿Se não impuserem condições, estamos dispostos a comprá-lo.¿ O embaixador concluiu que o futuro está baseado na energia e se passa nos países independentes. ¿Irã e Brasil são dois países com grandes recursos naturais e, desde já, terão grande papel internacional¿, destacou.

Em 23 de novembro de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu em Brasília o presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad, em uma visita na qual Lula reconheceu o direito iraniano de executar seu plano nuclear para fins pacíficos. ¿Reconhecemos o direito do Irã de desenvolver um programa nuclear com fins pacíficos e com respeito aos acordos internacionais, e esse é o caminho que o Brasil vem trilhando. Não proliferação e desarmamento nuclear devem andar juntos. O Brasil sonha com um Oriente Médio livre de armas nucleares, como ocorre na América Latina¿, defendeu Lula.

A ameaça do aiatolá

A comemoração do 31º aniversário da Revolução Islâmica deixará o Ocidente ¿estupefato¿, segundo o guia supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei. Em um discurso diante de membros da Força Aérea do país, o líder garantiu que a ¿nação iraniana, por sua unidade e pela graça de Deus, infligirá uma humilhação para a arrogância¿ das potências ocidentais. Os principais opositores do governo de Mahmud Ahmadinejad, como o ex-presidente Mohammad Khatami, o ex-premiê Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi, no entanto, já conclamaram a população a comparecer em massa às manifestações durante as comemorações.

¿A Revolução Islâmica está determinada a resistir a todas as pressões. Os Estados Unidos, os sionistas e outras potências não serão capazes de abalar os pilares da Revolução por meios políticos e econômicos¿, afirmou Khamenei. Ele ainda criticou ¿os que se dizem defensores dos direitos humanos e ignoram os mais básicos direitos em suas prisões¿. Ontem, os Estados Unidos e a União Europeia (UE) condenaram, mais uma vez, ¿a persistência das violações dos direitos humanos¿ no Irã desde a eleição presidencial de junho de 2009. ¿Estamos muito preocupados com a possibilidade de mais violência e mais repressão nos próximos dias, devido ao aniversário da fundação da República Islâmica, em 11 de fevereiro¿, diz o comunicado conjunto, divulgado pela Casa Branca.

Os Estados Unidos, os sionistas e outras potências não serão capazes de abalar os pilares da Revolução por meios políticos e econômicos¿

Aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã