Título: Temor à crise já traz efeitos ao mercado de trabalho
Autor: Bouças , Cibelle ; Lima , Marli
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2008, Brasil, p. A4
A preocupação com os efeitos da crise internacional sobre a atividade econômica no país levou empresas de diferentes setores a reverem a programação de férias e até a cortar pessoal. O setor de autopeças antecipou as férias coletivas ajustando-se ao calendário das montadoras. A situação mais dramática está nos segmentos da construção civil e de papel e celulose, nos quais empresas já iniciaram o processo de demissões. No setor varejista, a contratação de temporários para as vendas de fim de ano - que só em São Paulo gera 300 mil novos postos de trabalho nessa época - está em suspenso.
No setor da construção civil de São Paulo, a média de homologações, que era de 40 pessoas por dia, aumentou para 150 pessoas/dia desde a semana passada, informou o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP). E o aumento não é comum nesse período, afirma o presidente da entidade, Antonio de Sousa Ramalho. "As construtoras estão com dificuldades de obter crédito para dar início a alguns projetos e preferem dispensar parte dos funcionários, enquanto não têm uma definição sobre o que farão em 2009", afirma. A maior parte das demissões, diz, é de engenheiros e mestres de obras.
O setor previa criar 700 mil vagas no país em quatro anos por conta de novos projetos. Diante da indefinição, Ramalho acredita que neste ano pelo menos 100 mil postos de trabalho deixarão de ser criados e outros 175 mil serão congelados em 2009. O Sintracon-SP representa 300 mil trabalhadores da construção. No país, o setor possui aproximadamente 2,2 milhões de trabalhadores.
No setor de papel, como informou o Valor esta semana, houve demissões em empresas que têm atividades ligadas à Aracruz, que reviu seus projetos de investimento após prejuízo com derivativos. Em Belo Horizonte, o grupo Plantar (que produz eucaliptos) anunciou a demissão de 750 dos 1 mil trabalhadores. No segmento metalúrgico, a General Motors anunciou na quarta-feira a abertura do programa de demissões voluntárias na fábrica de São José dos Campos (SP), que possui 9,4 mil trabalhadores, mas sem meta de homologações.
Em Campinas, além das férias coletivas, há um crescente número de demissões comunicadas ao Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região. Segundo o presidente da entidade, Jair dos Santos, o setor de autopeças efetuou desde a última quinzena de outubro entre 250 e 300 demissões.
O primeiro setor a reagir à crise foi o automotivo. No Paraná, a Volkswagen foi a primeira a antecipar as férias de 1,8 mil metalúrgicos. Outras 35 empresas avaliam fazer o mesmo. "Como elas, outras que não participaram da reunião também devem dar férias aos empregados, pois a demanda caiu", diz o presidente do Sindimetal, Roberto Karam. As decisões já tomadas devem atingir cerca de 15 mil trabalhadores do segmento. Ele contou que a Renault e Bosch também estudam uma paralisação temporária das unidades instaladas no Estado. Procurada, a Renault não confirmou a informação. A Bosch informou que decidirá sobre o tema na próxima semana.
Em Santa Catarina, a Jofund, que faz acessórios para freios de carros, deu férias coletivas a partir do dia 20 de outubro. A Embraco, que fabrica motores para eletrodomésticos, vai dar férias coletivas no fim do ano, mas ainda não estipulou os dias, nem quando começam e nem quantos serão.
Em Betim (MG), onde a Fiat concedeu férias coletivas a 2 mil dos dos seus 16 mil funcionários, os fornecedores também acompanharão o calendário. Entre as fornecedoras, já anunciaram férias coletivas entre novembro e dezembro (mesmo período da Fiat) a Nemak Brasil e a Magneti Marelli Cofap. Para o presidente do sindicato dos metalúrgicos de Betim (Sindbet), Marcelino Rocha, a medida compensa a ausência de férias coletivas dos últimos dois anos e ajuda a adequar estoques.
Em Camaçari (BA), a Ford confirmou nessa semana a antecipação das férias coletivas em 15 dias, para 10 de dezembro. Com a montadora, outras 27 empresas que juntas congregam 8.800 trabalhadores devem antecipar as férias, segundo Marcos Vinicius Pereira dos Santos, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari.
Em Gravataí (RS), 17 empresas de autopeças deram férias coletivas a 1,3 mil a 1,4 mil empregados, seguindo a paralisação da General Motors na região. Os empregados voltam a trabalhar entre 11 e 17 de novembro e retomam as férias, seguindo a montadora, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, Valcir Ascari. Entre as empresas, a Delphi concedeu férias a toda a equipe.
Há indústrias de autopeças que não se sentiram obrigadas a tomar medidas drásticas. Em Caxias do Sul (RS), o grupo Randon, concederá férias no fim de dezembro, mantendo uma "tradição histórica" da companhia, informou o diretor corporativo de relações com investidores, Astor Schmitt. Em Canoas (RS), onde trabalham em torno de 11 mil metalúrgicos, as empresas ainda não comunicaram aviso de férias ao sindicato local.
No Paraná, os fabricantes de louças e cerâmicas de Campo Largo, esperam parar na segunda quinzena de dezembro, como normalmente ocorre, diz o presidente do Sindilouça, José Canisso. "Não estamos vendendo "pra burro", mas também não está uma catástrofe." Os fabricantes de móveis de Arapongas (PR) não pensam em reduzir a produção. "As empresas estão até contratando", disse o diretor-executivo do Sima, sindicato da indústria, Silvio Luiz Pinetti. O presidente do Sindicato da Indústria de Material Plástico (Simpep), Dirceu Galléas, comentou que "o setor está em dúvida do que vai acontecer", porque as encomendas tiveram queda de 20%, em função da redução dos estoques dos clientes.
No setor químico, as empresas não informaram se anteciparão as férias, que normalmente ocorrem em dezembro, disse o secretário-geral da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo (Fequimfar), Sérgio Luiz Leite. "Houve um problema localizado, que foi a demissão de 340 pessoas da Probel Colchões, por conta da crise. Mas não vejo um problema disseminado na categoria."
No setor varejista, 31 grandes grupos ainda analisam se farão contratações, devido à crise, diz o diretor-executivo do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), Emerson Kapaz. O presidente da Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo (Fecomerciários), Luiz Carlos Motta, disse que as contratações se aquecem no fim de novembro. No ano passado, o setor contratou 300 mil temporários.