Título: Blitz sobre câmbio dificulta comércio exterior argentino
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2008, Internacional, p. A11
A blitz do governo argentino no mercado formal e informal de câmbio ameaça travar o comércio exterior do país. Sem nenhum decreto ou resolução, os bancos estão sendo impelidos por ordens vindas por telefone, do Banco Central, da Receita Federal (Afip) e da Secretaria de Comércio Interior, a não vender grandes quantidades de dólares. Isso está dificultando importações e remessas de divisas para pagamento de dívidas no exterior e de contratos de pré-financiamento de exportação.
A operação, coordenada segundo a imprensa local pelo ex-presidente Néstor Kirchner, marido da presidente Cristina Kirchner, visa conter a desvalorização do peso argentino e está funcionando. Depois de ultrapassar os 3,40 pesos por dólar, na segunda e na terça-feira, a moeda americana se estabilizou na quarta a 3,33 e baixou ontem, fechando a 3,31 pesos.
O dólar voltou a subir no fim de outubro, depois que a presidente Cristina anunciou a reestatização do sistema previdenciário, privatizado em 1994 pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-99). Há 14 anos os argentinos recolhem a contribuição previdenciária obrigatória a um conjunto de empresas chamadas AFJP, controladas por bancos e seguradoras, que aplicam os recursos em ativos financeiros públicos e privados. O projeto de lei da reestatização começou a ser votado ontem pela Câmara dos Deputados, com grandes chances de ser aprovado. O líder governista na Câmara, Agustín Rossi, calculava ter de 150 a 160 votos a favor (são precisos 129).
Apesar de certa resistência de alguns partidos de oposição e entidades de direitos civis, o projeto deve ser aprovado e enviado ao Senado no dia 20, com poucas alterações em relação ao original. As únicas mudanças acertadas até ontem são a inclusão de um dispositivo que "garante" que o governo não vai usar o dinheiro incorporado das AFJP para pagar dívidas nem gastos correntes, proibição de aplicação dos recursos no exterior e a criação de um comitê de assessoramento do novo sistema, composto por representantes de empresários, bancos, sindicatos de trabalhadores, aposentados, governo e Congresso, para controlar a aplicação dos recursos.
O efeito mais imediato do anúncio de estatização das AFJP foi espantar investidores e poupadores, que correram para o dólar, provocando a disparada da moeda americana frente ao peso. A presidente argentina sustenta que a estatização visa defender a poupança dos trabalhadores das perdas no mercado financeiro com a crise internacional. Mas investidores, economistas e analistas dizem que o objetivo é, na realidade, usar o dinheiro da Previdência para cobrir um déficit nas contas públicas de 2009, o que a Casa Rosada nega.
Os empresários argentinos estão preocupados com os efeitos da medida. No curto prazo, a desvalorização do peso seria até bem vinda, já que era uma demanda da União Industrial Argentina. O setor queria um ajuste no câmbio para acompanhar a desvalorização do real brasileiro, que estaria tirando a competitividade dos produtos argentinos e ampliando a concorrência dos importados.
O problema é que o governo não está disposto a deixar o dólar passar de um teto de 3,40, para não pressionar a inflação. Para evitar uma corrida ao dólar, o Banco Central tem usado as reservas internacionais para aumentar a oferta de moeda e também tem atuado para inibir o câmbio paralelo. Novas regras que ampliam a burocracia e as exigências para a compra da moeda estrangeira foram adotadas junto com um aperto de fiscalização de bancos e casas de câmbio.
No longo prazo, a comunidade empresarial e financeira da Argentina teme pela morte do já minguado mercado de capitais do país, com o fim das AFJP, que até agora eram importantes investidores institucionais.