Título: França descarta mais espaço a emergentes em reforma financeira
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2008, Brasil, p. A5
Atualmente na presidência da União Européia e um dos países que mais tem se destacado na condução da crise financeira, a França vê com receio uma ampla reforma da arquitetura da governança global, que permita maior participação dos países emergentes, proposta defendida pelo governo brasileiro. Marisa Cauduro / Valor
Christine Lagarde, ministra da Economia e Indústria da França: "regra simples" diz que quem manda mais, paga mais
"Acabamos de terminar uma reforma no FMI em 2007 que levou anos. Temos que trabalhar com o que já está pronto", afirmou em entrevista ao Valor a ministra da Economia, Indústria e Emprego da França, Christine Lagarde. De acordo com a ministra, uma "regra simples" diz que quem manda mais, paga mais.
Se depender da França, outra proposta importante para o Brasil não deve sair do papel: a retomada das negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC). "Já temos muito o que discutir", disse a ministra, cujo país está entre os mais protecionistas da Europa. Ao discursar na abertura do encontro do G-20, que aconteceu sábado e domingo em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que "este é o momento para o impulso final das negociações da Rodada Doha".
A ministra frisou, no entanto, que todos dos países devem colaborar para a solução das dificuldades provocadas pela turbulência financeira, independentemente de onde a crise começou, nesse caso, nos Estados Unidos. "Todos os países foram afetados pela turbulência global e, portanto, todos os países devem participar da solução", disse. A ministra francesa participou da reunião do G-20, em São Paulo.
Durante uma coletiva de imprensa que concedeu após o encontro, Christine Lagarde fugiu de uma pergunta sobre se o G-20 poderá substituir o G-8, o sete países mais ricos do mundo mais a Rússia. "Decidir o formato das próximas reuniões caberá aos presidentes", disse. No próximo sábado, os presidentes e chefes de Estado dos países do G-20 se encontram em Washington. É a primeira vez que o grupo realiza uma reunião do mais alto nível. Anteriormente, limitavam-se a encontros entre os ministros das finanças. As conversas do último fim de semana foram apenas uma fase preparatória para o encontro na capital americana.
De acordo com a ministra francesa, o Fundo Monetário Internacional (FMI) enfatizou que medidas de estímulo orçamentário "temporárias e objetivas" serão muito úteis para evitar uma recessão. Ela disse que algumas nações já estão seguindo essa receita como Estados Unidos, Japão, alguns países europeus e, mais recentemente, a China. A ministra saudou como uma "boa novidade" o pacote de US$ 586 bilhões de estímulo anunciado ontem pelo governo chinês.
Questionada sobre o fôlego financeiro dos países em desenvolvimento para adotar medidas de estímulo fiscal sem recrudescer a inflação, Christine respondeu que cada nação possui uma realidade diferente e não cabe a ela ditar receitas. Afirmou, no entanto, que o Brasil está em uma situação "muito mais favorável" que os demais emergentes. Graças a uma gestão fiscal inteligente e uma política econômica responsável, a ministra disse que o país possui reservas para atravessar esse momento de turbulência.
Christine afirmou que a Europa é contra que qualquer mancha de não-regulamentação atrapalhe o mercado. "Não é porque gostamos de regular, regular, regular, mas porque é necessário", disse ao Valor. Explicou que não é possível permitir que instrumentos financeiros sem fiscalização se tornem grandes demais a ponto de contaminar o sistema financeiro global e a economia real. Nesse ponto, europeus e americanos divergem. Os Estados Unidos são tradicionalmente contra uma regulação excessiva, especialmente sobre os fundos de hedge.
Durante a reunião, a ministra francesa explicou aos seus colegas dos demais países do G-20 o plano da Europa para a solução da crise, aprovado recentemente pelos países do bloco. Segundo ela, a proposta teve uma "boa aceitação" entre os países. O plano prevê que todos os atores sejam regulados, total transparência, mecanismos de alerta e que caberá ao FMI assegurar a estabilidade do sistema. Os europeus também querem um cronograma e já propuseram uma nova reunião cem dias após o encontro dos chefes de Estado.
Christine afirmou que o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, está envolto em uma grande expectativa. Ela voltou a insistir que não cabe a ela dar receitas, mas que a Europa espera que os Estados Unidos garantam uma transição tranquila, que não interrompa ou imobilize o processo de combate à crise financeira.