Título: Lula pede a Chinaglia que represe proposta de Paim
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2008, Política, p. A8

A expectativa de que a crise financeira afete o ritmo de crescimento da economia e, por consequência, também o da arrecadação federal deixou o governo mais alerta em relação a dois projetos de lei já aprovados pelo Senado e com enorme potencial de impacto sobre os gastos da Previdência Social. Preocupado em evitar qualquer aumento de percepção de risco fiscal por parte dos agentes econômicos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que evite a votação das propostas, ambas de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), portanto, de um membro da própria base aliada.

Um dos projetos é o que vincula o reajuste de todos os benefícios à evolução do salário mínimo. O outro é o que acaba com o fator previdenciário e ainda retoma os últimos 36 salários de contribuição como referência para cálculo das aposentadorias no momento da concessão (pela regra atual, valem os 80% maiores desde 1994).

Chinaglia já achava as propostas de Paim insustentáveis sob o ponto de vista fiscal. Diante da crise e do pedido presidencial, ele comprometeu-se, recentemente, a não colocar os polêmicos projetos na pauta de votações do plenário da Câmara, pelo menos não enquanto não houver sinal verde do governo.

Essa sinalização, segundo o vice-líder do governo no Congresso, deputado Gilmar Machado (PT-SP), vai depender de alternativas que estão sendo estudas pelo Ministério da Previdência para contrapropor aos deputados - a maioria simpáticos à causa de Paim, por causa de seu grande apelo popular.

Gilmar Machado admite que o governo bem que gostaria de poder defender os projetos. Mas sabe que não pode e nem vai defendê-los, pela falta de viabilidade fiscal. Atualmente, os gastos da Previdência Social com pagamento de benefícios estão na casa de 7,2% do Produto Interno Bruto, por ano, diz o ministro da pasta, José Pimentel. Ele pretende divulgar nos próximos dias dados atualizados sobre o potencial impacto dos dois projetos. Mas números fornecidos pelo seu antecessor, Luiz Marinho, a diversos senadores, há poucos meses, dão uma noção do tamanho do problema.

Conforme esses dados (que não deverão mudar muito com a atualização), na hipótese de as duas propostas de Paim serem aprovadas ainda este ano, o Brasil chegará ao ano de 2050 gastando por ano 26,4% de seu PIB com pagamentos de aposentadorias e pensões, só no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Em pouco mais de 30 anos, portanto, os gastos quase se quadruplicariam como proporção do PIB, crescendo gradualmente.

Nem toda a diferença em relação aos atuais 7,2% do PIB ao ano refere-se ao efeito dos dois projetos. Ainda que não mudem as atuais regras de concessão e de reajuste, as despesas do RGPS com benefícios vão atingir 11% do PIB até 2050, só em função de fatores demográficos (queda da taxa de natalidade, aumento da expectativa de sobrevida na velhice,portanto, envelhecimento da população e queda no ritmo de ingressos de novos contribuintes no regime). Na hipótese de ser aprovado apenas o projeto que põe fim ao fator previdenciário e retoma o antigo período de cálculo (36 meses), já considerado o fator demográfico, o nível de gastos atingiria 16% do PIB. Já na hipótese de aprovação somente da vinculação de todos os benefícios ao mínimo, o impacto seria maior, pois as despesas subiriam para 18% do PIB. Na hipótese de aprovação de ambos, a projeção indica despesas anuais de 26,4% porque um projeto teria efeito sobre o outro, explica técnico ouvido pelo Valor.

Esse número é assustador porque ultrapassa em muito o nível de arrecadação líquida de receitas primárias do governo. Pelas estimativas do orçamento encaminhado em agosto, antes do agravamento da crise, portanto, o governo esperava obter, em 2009, receita primária líquida de 20,85% do PIB. Mesmo a receita primária bruta, estimada em 25,38% do PIB, não seria suficiente. É preciso levar em consideração ainda que o governo e o Congresso sofrem pressão da sociedade para reduzir a carga tributária como proporção do PIB. Por causa dessa pressão, não há, hoje, ambiente político que permita ao governo sequer sonhar com um aumento de arrecadação como proporção do produto, pelo menos não o suficiente para bancar o impacto das mudanças propostas por Paim.

O projeto que vincula todos os benefícios ao reajuste do mínimo está, em tese, pronto para ir a plenário, pois já foi aprovado pela respectiva comissão especial depois que voltou do Senado, com a emenda de Paim. Originalmente, o projeto, de autoria do Executivo, só tratava da política de reajuste do mínimo até 2023. Mas no Senado recebeu uma emenda, aprovada tanto pela oposição quanto pela base aliada. Ao voltar à Câmara, parte da base também apoiou a emenda. O projeto que acaba com o fator previdenciário originou-se no próprio Senado e também passou com apoio de governistas e oposicionistas tanto no Senado, quanto na Comissão de Seguridade Social da Câmara. Falta ainda apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça e pela do Trabalho.

O fator previdenciário é considerado muito rigoroso por parlamentares da base aliada porque reduz drasticamente o valor do benefício para quem se aposenta cedo, mesmo que o tempo de contribuição seja superior ao mínimo exigido (casos em que a pessoa começou a trabalhar muito jovem). Foi adotado no governo Fernando Henrique justamente para induzir as pessoas a se aposentarem mais tarde.

Dois terços dos aposentados e pensionistas do RGPS já recebem o mínimo e portanto recebem os respectivos reajustes reais. O governo argumenta que, embora com rejustes reais menores, os demais também vêm tendo o poder de compra preservado, graças à correção anual pelo INPC. Por questões de arredondamento, nos últimos anos houve até aumento real sobre o INPC. Acumulados desde 1995, esses arredondamentos já representam aumento real de 22% para benefícios superiores ao mínimo, segundo o governo.