Título: Obama relega Doha a segundo plano
Autor: Balthazar , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2008, Internacional, p. A10

Os EUA receberam com frieza os apelos que o Brasil e o Reino Unido têm feito para ressuscitar a Rodada Doha de liberalização do comércio mundial, e tudo indica que o assunto continuará sendo tratado com indiferença em Washington quando o presidente eleito Barack Obama começar a governar.

As negociações foram suspensas em julho, quando uma reunião de ministros dos países que formam a Organização Mundial do Comércio (OMC) terminou sem chegar a um acordo. Nada mudou desde então, mas autoridades brasileiras e britânicas defendem a convocação de outra reunião para dar novo impulso às negociações em dezembro.

Negociadores americanos indicaram nos últimos dias que consideram a proposta inviável, porque as divergências que levaram ao colapso de Doha em julho estão intactas e nenhum dos principais participantes das negociações parece disposto a rever suas posições.

Uma referência discreta à necessidade de concluir Doha foi incluída no comunicado aprovado ontem em São Paulo pelos integrantes do G-0, um grupo formado por países avançados e emergentes para discutir assuntos financeiros. Mas a maioria descartou a idéia de aproveitar a reunião para impulsionar as negociações da rodada.

O assunto dificilmente ganhará prioridade nos primeiros meses depois da posse de Obama, que está marcada para janeiro. Com a economia americana em recessão, mercados financeiros instáveis e duas guerras para administrar, Obama não terá muito tempo para se preocupar com a Rodada Doha nem se quiser.

"Ele provavelmente deixará isso de lado e ficará esperando para ver", diz o economista I. M. Destler, um especialista do Instituto Peterson para a Economia Internacional. "Se outros trouxerem propostas novas, se países como o Brasil e a Índia fizerem concessões, pode ser que ele volte a se interessar."

A questão foi praticamente ignorada por Obama na campanha eleitoral. Ele criticou os acordos comerciais que os EUA assinaram recentemente com a Colômbia e a Coréia do Sul, que foram engavetados pelo Congresso americano, mas nunca demonstrou qualquer interesse na conclusão da Rodada Doha.

Numa entrevista ao site do "Wall Street Journal" em julho, poucos dias após o colapso das negociações, um dos principais assessores de Obama nessa área, Daniel Tarullo, considerou a falta de acordo "desapontadora" e afirmou que os negociadores deveriam voltar à mesa para conversar sobre esse assunto no próximo ano.

"Embora os problemas encontrados na Rodada Doha pareçam mais difíceis de superar do que os das rodadas anteriores, os negociadores não deveriam abandonar seus esforços", afirmou Tarullo, um professor de direito da Universidade Georgetown que é cotado para assumir o posto de representante comercial dos EUA no governo Obama.

Mas ninguém jamais derramou uma lágrima pelo fiasco da Rodada Doha no Congresso americano, e isso também tende a manter o assunto em banho-maria por um bom tempo. Obama não poderá dar nenhum passo nessa área se não tiver apoio do Congresso, e a oposição a novos acordos comerciais aumentou muito nos dois partidos que dividem o poder no Congresso nos últimos tempos.

Assessores de Obama acreditam que só será possível obter novamente apoio político para iniciativas ambiciosas como a Rodada Doha depois que forem tomadas medidas para diminuir a insegurança que os trabalhadores americanos sentem diante do futuro sombrio da economia e da concorrência com países emergentes competitivos como a China.

Durante a campanha, Obama prometeu atacar o problema investindo bilhões de dólares para ampliar o acesso dos trabalhadores a planos de saúde e estimular a geração de empregos em novas indústrias. Mas o aprofundamento da crise deve obrigar Obama a reavaliar nos próximos meses várias promessas da campanha.