Título: Criatividade a serviço da fraude
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 25/02/2010, Política, p. 2

Polícia Legislativa investiga servidores que contratavam funcionários fantasmas para embolsar salários, vales-transportes e auxílios-creche

Não há limites para a criatividade dos que se empenham em lesar os cofres públicos. Um esquema minucioso foi montado na Câmara dos Deputados para fraudar a folha de pagamento da Casa. Um grupo de servidores falsificou documentos, contratou funcionários fantasmas e se aliou a escolas do Distrito Federal para abocanhar, de uma só vez, os salários, auxílios-creche e vales-transportes de servidores que, na prática, não trabalhavam. O caso está sob investigação da Polícia Legislativa e será levado à Justiça Federal. Calcula-se que pelo menos R$ 1,5 milhão tenha sido desviado pelos supostos estelionatários. Até agora, 67 pessoas foram indiciadas.

São apontados como cabeças do esquema o ex-motorista do deputado Sandro Mabel (PR-GO), Francisco José Feijão, e sua esposa, Abgail Pereira da Silva, que trabalhou por três anos no gabinete de Raymundo Veloso (PMDB-BA). Ambos foram exonerados após a descoberta do caso. As investigações foram deflagradas em agosto do ano passado e, em novembro, o site Congresso em foco divulgou pela primeira vez o escândalo. A Câmara ainda não encerrou as investigações. Entre os 67 indiciamentos feitos até agora, há funcionários que respondem por estelionato, crime continuado e até formação de quadrilha, caso de Abgail e o marido.

Francisco e Abgail procuravam famílias carentes do Entrono do DF e ofereciam o pagamento de benefícios sociais para cada filho que essas pessoas tivessem. Para isso, o casal exigia a entrega de diversos documentos pessoais, inclusive das crianças, e comprovantes de residência, por exemplo (veja infografia).

De posse dos papéis, o casal incluía pessoas na folha de pagamento da Câmara, contratando-as como funcionários dos gabinetes. Como a nomeação é uma prerrogativa dos parlamentares, a polícia apura se os supostos fraudadores falsificavam a assinatura dos ex-chefes.

As vítimas eram levadas a agências bancárias da Câmara, onde contas eram abertas para o depósito dos salários. Os supostos estelionatários ficavam com os cartões e as senhas do banco. Assim, embolsavam os salários pagos aos funcionários fantasmas. Havia apenas um desconto: um valor irrisório, de até R$ 100 por filho, que era pago às famílias como se fosse um benefício social.

Escolas De posse dos documentos das crianças, os ex-funcionários da Câmara ainda ¿matriculavam¿ os filhos dos servidores fantasmas em escolas do Distrito Federal. Em conluio com diretores e proprietários dessas instituições de ensino, pegavam notas fiscais falsas, em que o valor da mensalidade era inflado. A intenção, nesse caso era ter acesso ao valor máximo pago como auxílio-creche pela Câmara, que é de R$ 647.

O Correio apurou que um colégio de Samambaia, a escola Mammy, fazia parte do esquema. A reportagem entrou em contato com a proprietária da instituição, Cirlene de Souza. Ela disse que não falaria sobre o assunto, mas informou que o valor da mensalidade para o período integral era de ¿cerca de R$ 350¿. Cirlene disse ainda que o custo varia ¿de acordo com a necessidade dos pais¿. Ela está entre os indiciados.

A fraude se espalhou e ganhou novos contornos entre outros funcionários. O casal passou a empregar como fantasmas conhecidos e amigos. As investigações descobriram outro desvio, desta vez no pagamento de vales-transportes.

No gabinete do deputado Tatico (PTB-GO), pelo menos 20 pessoas burlavam o sistema de pagamentos. Esses fariam parte do grupo de funcionários que fraudava o pagamento de vales-transportes. Para embolsar um valor maior, eles falsificavam comprovantes de residência, declarando endereços fora do DF, como em Formosa (GO). Como o transporte é interestadual, o valor do benefício aumentava, chegando a R$ 480.

Procurado pela reportagem, o assessor de imprensa do deputado Tatico afirmou que o parlamentar ¿não tem conhecimento de que funcionários de seu gabinete estejam envolvidos em fraudes no pagamento de vales-transportes ou auxílios-creche da Câmara¿.

Pelo menos quatro inquéritos estão em andamento na Polícia Legislativa. As investigações ainda não foram concluídas. Todas as peças serão enviadas ao Ministério Público Federal, que oferecerá as denúncias à Justiça Federal. A Polícia Legislativa não quis se manifestar sobre o caso.

O número R$ 1,5 milhão Estimativa do valor desviado pela quadrilha