Título: União e entidades negociam plano de apoio ao comércio
Autor: Bouças , Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2008, Brasil, p. A3

Governo federal e representantes do varejo, comércio e serviços articulam a criação de uma política de desenvolvimento para o setor, à semelhança da política industrial lançada em maio deste ano. O primeiro esboço do plano engloba mudanças na área tributária e em encargos trabalhistas, além da criação de programas de financiamento específicos para o setor. De acordo com o secretário nacional de Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Edson Lupatini Júnior, o governo trabalha para concluir e lançar a política de desenvolvimento para comércio e serviços em seis meses. Anna Carolina Negri/valor

Emerson kapaz, do IDV: "Cada Estado tem uma tributação diferente e não é difícil unificar, isso pode ser resolvido no Confaz"

"A proposta original consiste em adequar as ferramentas da PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo) a necessidades específicas do comércio", afirma Lupatini. No dia 21 de outubro, o ministério estabeleceu grupos de discussão para refinar as propostas enviadas pelo setor privado ao governo no início de outubro. De acordo com ele, os grupos avaliam a viabilidade das propostas e mecanismos necessários para torná-las viáveis, como a publicação de decretos e leis, impactos das mudanças tributárias sobre o setor e a arrecadação nos Estados e municípios e o potencial de geração de empregos decorrente das medidas.

Um dos pilares da proposta é a redução da carga tributária e a simplificação do sistema de arrecadação. O diretor-executivo do Instituto para o Desenvolvimento para o Varejo (IDV) e uma das lideranças do projeto, Emerson Kapaz, cita, entre outros pontos, a redução e equalização das alíquotas de tributos que recaem sobre produtos da cesta básica. "Cada Estado tem uma tributação diferente. E não é difícil unificar, isso pode ser resolvido no Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária)."

Outro ponto sugerido, e que deve ser avaliado nas discussões da Reforma Tributária, é a implantação em todos os Estados do modelo de substituição tributária, que, segundo Kapaz, "simplifica e facilita o combate à informalidade". Ele cita um estudo da consultoria McKinsey, de 2006, apontando que 54% do comércio varejista no Brasil está na informalidade, sendo que a maior parcela desse percentual é de estabelecimentos de varejo de alimentos e farmacêuticos.

Na área trabalhista, além da desoneração da folha de pagamentos, foi sugerida a criação de um "Simples trabalhista", que pudesse desburocratizar o processo de contratação de pessoal e reduzir a carga sobre as empresas. Kapaz observa que o custo para contratar um trabalhador corresponde a 103,46% do salário. "Não é apenas isso. Ainda hoje em alguns municípios o varejo encontra dificuldades para abrir aos domingos por incompatibilidades da legislação local com a nacional. Às vezes a população quer, a loja quer, os funcionários querem porque receberão hora extra, mas a lei municipal impede algo que é permitido nacionalmente. É mais um entrave à expansão do setor."

O setor privado também sugeriu medidas para internacionalizar o comércio brasileiro, via ampliação e fortalecimento de canais de distribuição, com apoio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). "A vantagem de levar uma bandeira para fora é que com ela é possível levar produtos brasileiros com mais facilidade."

O projeto de política de desenvolvimento para comércio e indústria foi proposto pelo IDV, Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad), Associação Brasileira de Franchising (ABF), Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), Confederação Nacional do Comércio (CNC), Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). E foi apresentado a representantes do Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Receita Federal e Ministério do Trabalho.

A proposta inclui ainda um programa de apoio à inovação e desenvolvimento tecnológico das empresas. Kapaz cita como uma das possibilidades a universalização do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped). "O IDV se credenciou com a Receita Federal para que as empresas associadas participem do sistema, o que hoje ocorre de forma voluntária", diz. Segundo ele, a Renner já aderiu ao sistema e o grupo Pão de Açúcar deve aderir ainda neste ano. O IDV possui 31 grandes grupos varejistas associados, que juntos faturam R$ 100 bilhões por ano, geram 400 mil empregos diretos em 9,2 mil pontos de venda.

De acordo com Lupatini, do Ministério do Desenvolvimento, a política para o comércio "será articulada com a política industrial". Segundo ele, é possível que ao fim das discussões se conclua que é melhor criar medidas específicas para algumas áreas do comércio. Entretanto, ele não cita quais seriam as áreas prioritárias.

O projeto defendido pelo setor privado contempla medidas para desburocratizar a oferta de crédito ao setor de comércio e serviços. "A maioria das lojas é alugada, o que dificulta a tomada de crédito nos bancos, que exigem a comprovação de ativos para segurar a operação", observa Kapaz. "Por outro lado, 60% a 70% das vendas do varejo são feitas com cartão de crédito, que é um recebível melhor que um imóvel, que teria de ir a leilão, por exemplo", considera.

Daí, o projeto de criar um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) para o comércio, para garantir crédito a projetos de curto e médio prazos. A formação de um FDIC, que funcionaria como uma alternativa ao crédito convencional oferecido pelos bancos, foi apresentada ao Departamento de Bens de Consumo do BNDES em agosto. O setor privado sugere que o banco entre para o fundo com uma cota de 30% e ofereça taxas de juros inferiores às cobradas pelo mercado. Em princípio, as 31 empresas associadas ao IDV deteriam o restante das cotas do fundo, que seria utilizado pelas cotistas para projetos de financiamento de curto e médio prazos, com a abertura de lojas, por exemplo. "Esse fundo poderia chegar a R$ 1 bilhão", estima o diretor-executivo do IDV.

Kapaz afirma que as negociações pararam com o agravamento da crise externa. De um lado, as redes varejistas querem que o banco defina as condições do crédito para participarem ou não do fundo. O banco, por sua vez, quer saber quanto as empresas estão dispostas a investir. "As turbulências atrapalharam um pouco o processo, mas estamos levantando com as empresas quanto cada uma poderia destinar para o fundo", diz. Procurado, o BNDES informou por meio de sua assessoria de imprensa que mantém o diálogo com o setor do comércio para discutir o tema, mas que a discussão ainda está em fase embrionária e não há iniciativas concretas em curso.

Para financiar projetos de longo prazo, diz Kapaz, o setor privado sugeriu ao banco que adaptasse o cartão BNDES - usado hoje para aquisição de máquinas e equipamentos - às especificidades do setor. A assessoria do banco informou que o cartão é uma ferramenta já acessível ao setor de comércio e serviços, mas que normalmente não é utilizado devido ao limite baixo de crédito oferecido (R$ 200 mil). O banco informou ainda que não há estudos para adaptar o cartão BNDES ao comércio.