Título: Governo não pressiona demanda, diz estudo
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2008, Brasil, p. A4

A política fiscal nos últimos anos tem produzido um impacto contracionista sobre a demanda, não exercendo pressões indesejáveis sobre os preços, diz estudo da economista Beatriz Meirelles, da Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Num momento em que o governo enfrenta o dilema de aumentar ou não os gastos para estimular uma economia que perde força devido à crise global, Beatriz avalia que há espaço para a elevação de despesas sem causar problemas inflacionários. O estudo, que faz parte da série Visão do Desenvolvimento, contraria o diagnóstico ortodoxo de que a política fiscal tem colaborado para pressionar os preços e deteriorar a balança comercial.

Beatriz examinou primeiro a evolução do consumo do governo como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), comparando a situação do Brasil com outros 14 emergentes. Segundo números da Organização das Nações Unidas (ONU), o consumo do setor público brasileiro caiu 2,3 pontos percentuais entre 1990 e 2007 (em proporção do PIB), uma queda que só não é superior à registrada pela Rússia. Entre 2003 e 2007, por sua vez, a queda foi de 0,9 ponto percentual. A preços de 1990 - usados por Beatriz para a comparação-, o consumo do governo brasileiro ficou em 16,1% do PIB em 2007, acima dos 12,8% do PIB da média dos emergentes analisados. Para Beatriz, se esse nível de consumo do governo é alto, é uma outra discussão: para a questão de uma eventual pressão fiscal sobre a demanda, o que importa é a velocidade de crescimento da variável em relação ao PIB, diz ela.

"Além de crescer menos que o PIB, o consumo do governo teve um peso muito baixo no crescimento da demanda agregada", afirma o estudo. "Entre 2004 e junho de 2008, representou apenas 11% dos 5,8% de expansão média anual da demanda no período."

A economista também analisa o comportamento de um "indicador de impulso fiscal" usado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O indicador é uma soma do impacto direto e do indireto do governo no sobre a economia. O efeito direto se refere à demanda por bens e serviços, incluindo o investimento (construção civil e bens de capital) e o consumo públicos (a procura por bens de consumo e gastos com pessoal). Despesas com transferências - pagamento de aposentadorias, de juros e de programas como o Bolsa Família - são excluídos. O impacto indireto, por sua vez, considera a receita fiscal líquida dessas transferências. "Se a receita fiscal líquida cresce mais rápido do que o PIB, a política fiscal exerce um efeito contracionista, pois diminui o ritmo de crescimento da renda disponível das famílias e, portanto, contribui para a desaceleração do consumo privado", diz Beatriz.

Segundo ela, o impulso fiscal pode ser definido como o resultado líquido desses dois efeitos. "Ao contrário do senso comum, o impulso fiscal, computadas as três esferas de governo (União, Estados e municípios) sem as estatais, foi contracionista no Brasil no período de maior pressão sobre a capacidade produtiva [desde o começo do ano passado]." Em 2007, houve impacto fiscal negativo de 1,1% do PIB. No acumulado em 12 meses até junho de 2008, foi contracionista em 0,29% do PIB. O grande responsável por esse efeito foi o aumento da receita acima da variação do PIB, defende o estudo.

Para Beatriz, os resultados mostram que o governo tem espaço neste momento para adotar uma política fiscal mais expansionista, sem o risco de pressionar demais a inflação.

Uma dúvida de Beatriz é sobre o impacto de um eventual aumento das despesas públicas sobre a balança comercial, um tema que ela não analisou. Ainda assim, a economista diz acreditar que a elevação de gastos não levaria a uma piora significativa do saldo comercial por dois motivos. Primeiro, porque o consumo do governo tem tido peso modesto no crescimento da demanda. Em segundo lugar, porque "o coeficiente de importação do consumo público é baixo". Uma parcela significativa se refere a despesas com pessoal, afirma ela.