Título: China quer mercado regulado, diz embaixador
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2008, Brasil, p. A4

A China está na mesma "trincheira" do Brasil, da União Européia e de outros países em defesa de uma maior regulação do sistema financeiro mundial. A garantia é do embaixador da China no Brasil, Chen Duqing. Do outro lado, estão os Estados Unidos, país onde a crise começou, mas que ainda resiste a um controle total. Ana Paula Paiva/Valor

Chen Duqing, embaixador chinês no Brasil: "US$ 2 bi de déficit é pouca coisa, os empresários não precisam gritar tanto"

"Essa é uma posição clara e bem definida. É com esse espírito que a China vai para a cimeira do G-20 em Washington", disse Chen em entrevista exclusiva ao Valor, concedida após um evento organizado pela Fecomercio e pela Câmara de Comércio Brasil - China. Ele se refere ao encontro marcado para sábado entre os presidentes dos 19 países mais industrializados e a UE. "Na crise dos derivativos, a ganância predominou e faltou regulação. Todo mundo sabia que era fictício."

Depois de discursar para uma platéia de empresários e varejistas, o embaixador criticou os protestos do setor privado brasileiro contra o seu país. "Durante 34 anos, a China quase sempre teve déficit e não reclamou tanto", disse. De janeiro a outubro, o Brasil acumula déficit de quase US$ 1,8 bilhão com a China.

Chen disse que a China também foi contaminada pela crise internacional e citou o desemprego crescente, o fechamento de fábricas e o enfraquecimento do setor imobiliário. Para ele, não é apenas o contágio da crise que preocupa, mas também a incerteza que tomou conta da população, que tradicionalmente já poupa bastante.

Depois de subir 12% em 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) da China deve avançar menos de 10% este ano. É uma taxa excepcional em qualquer país, mas já preocupa Pequim. Chen disse que um crescimento de 8% é o "mínimo" que a economia precisa para absorver as mais de 10 milhões de pessoas que entram no mercado de trabalho anualmente e apoiar a população que migra do campo para as cidades.

O embaixador desfez as expectativas de que a China vá substituir os EUA como locomotiva global. Ele lembrou um provérbio chinês que diz que um camelo, por mais enfraquecido que esteja, ainda é um camelo e, portanto, maior que um cavalo. "Os Estados Unidos ainda são um camelo e a China não passa de um cavalo", disse. "Sabemos o que somos e não podemos alcançar algo fora da nossa competência."

Ele classificou de "audacioso e resoluto" o pacote fiscal de US$ 586 bilhões anunciado pelo governo chinês no domingo destinado à infra-estrutura e ao bem-estar social. Segundo Chen, o valor superou até as expectativas do vice-ministro das Finanças da China, que esteve em São Paulo no fim de semana, para se reunir com seus colegas do G-20. O embaixador não soube esclarecer quanto dos recursos são efetivamente dinheiro novo.

"Com esse pacotão, a China vai estimular o consumo interno e preencher o vazio deixado pela exportação", acredita Chen. Ele afirmou que, apesar da restituição de impostos, a demanda externa vai cair por conta da crise. Outra fonte de recursos para a China é o investimento estrangeiro, mas o embaixador ressaltou que representa apenas 15% do investimento total, que é majoritariamente feito pelo governo e por empresas locais.

No início do ano, a China tentava esfriar a economia porque temia o aumento da inflação. "Essa preocupação não desapareceu, mas suavizou muito", disse Chen. "O enfoque do governo era manter a estabilidade econômica e conter a inflação. Agora a inflação não está mais em destaque". Segundo o embaixador, a inflação, que chegou a bater 8,5%, agora está em 4%.

Mesmo assim, Chen evita receitar que os demais países sigam o exemplo da China e adotem políticas anticíclicas. "Sugestão e desejo são uma coisa, mas é a realidade que vai determinar." Ele disse que Europa, Japão e EUA aumentaram gastos, mas que alguns países da Ásia, como Paquistão ou a Indonésia atravessam uma situação fiscal delicada.

Para o embaixador chinês, alguns setores no Brasil começaram a comemorar o pacote chinês, como mineração, soja e celulose, mas ainda é um "otimismo discreto". Ele aproveitou para mandar um recado para a Vale do Rio Doce, que perdeu recentemente uma queda de braço com as siderúrgicas chinesas por reajustes no preço do minério. "A China vai precisar de mais minério, mas o Brasil não é o único fornecedor. Também compramos da Austrália e da Índia", disse.

A crise também atingiu indiretamente outra empresa brasileira com atuação na China, a Embraer. Por conta da turbulência financeira, a principal concorrente da Embraer na China, a Avic I, fundiu-se com a sócia da empresa brasileira na fábrica em Harbin, a Avic II. Segundo o embaixador, o negócio não deve prejudicar a fabricante de aviões. "O lado chinês gostaria que a cooperação avançasse mais. As duas empresas vão avaliar se vale a pena aumentar o investimento e a frota a ser produzida na China", disse Chen. Ele acrescentou que visitou a Embraer e conversou com executivos da empresa.

O embaixador voltou a criticar os empresários brasileiros que reclamam do déficit no comércio bilateral. Segundo ele, a maior parte das vendas da China para o Brasil são insumos e máquinas, o que aumentam a capacidade de produção do país. Ele ressaltou que a corrente de comércio deve chegar a US$ 40 bilhões. "Logo US$ 2 bilhões de déficit é pouca coisa. Não precisa gritar muito."

Chen também não acredita que haverá uma invasão de produtos chineses por conta da crise internacional. Os empresários brasileiros temem que as empresas chinesas desloquem para o Brasil parte dos produtos que não conseguirem vender nos EUA e na UE. Para o embaixador, os Estados Unidos vão continuar comprando muitos produtos, porque simplesmente não produzem mais. O embaixador também criticou o termo invasão chinesa. "Quando utilizam essa palavra, é pejorativo", disse. "Parece que a China é inescrupulosa e não é bem assim. Só há oferta e venda, porque existe demanda."

Para o embaixador, o Brasil deve resistir à tentação protecionista de aumentar medidas antidumping ou enrijecer a legislação de importação. Chen ressaltou que o país está defendendo o multilateralismo e a retomada das negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). "Nenhum país deve tomar medidas protecionistas em meio a crise, porque prejudica a si próprio", disse.