Título: Receita de royalties deve cair até 25% em 2009
Autor: Santos , Chico ; Góes ; Francisco
Fonte: Valor Econômico, 13/11/2008, Especial, p. A12
A farra dos royalties engordou os cofres de Estados e municípios (e também da União) este ano, quando o petróleo chegou a quase US$ 150 o barril. Projeções de mercado indicam que os pagamentos de royalties e participações especiais devem superar R$ 20 bilhões em 2008, bem acima dos quase R$ 14 bilhões do ano passado - aumento foi motivado, sobretudo, pela alta no preço do barril. O período de bonança, contudo, deve sofrer uma freada brusca em 2009. Estados e municípios produtores de petróleo, beneficiários de grande parte dos royalties e participações, prevêem redução de até 25% nessa que é a principal fonte de recursos para alguns deles. Leo Pinheiro/Valor
Joaquim Levy: Rio deve perder R$ 1,5 bi em receitas no próximo ano
De janeiro a outubro deste ano, a distribuição de royalties atingiu R$ 9,1 bilhões, número que pode superar os R$ 10 bilhões, segundo projeções de analistas. Já as participações especiais, que somam R$ 7,9 bilhões até o segundo trimestre, também devem ficar acima dos R$ 10 bilhões no ano. Se a redução de 25% se confirmar, serão R$ 5 bilhões a menos em 2009. A redução prevista só não é maior, apesar de o barril já estar na faixa de US$ 60, porque os royalties são calculados com base em uma fórmula que leva em conta o preço internacional do petróleo, a cotação do dólar e o volume produzido. Dessa forma a valorização do dólar frente ao real tende a compensar, em parte, a queda no preço do barril. A grande incógnita é saber qual será o crescimento na produção de petróleo da Petrobras em 2009.
A queda do preço do barril deverá será sentida por Estados e municípios na arrecadação de royalties já neste mês. Isso sem contar com a provável queda das receitas tributárias e de repasses por conta da quebra do ritmo de crescimento econômico do país nos próximos meses. "Eles (os municípios) vão ter que acabar com uma certa preguiça fiscal e se reestruturarem para aumentar as receitas próprias", afirma a pesquisadora Denise Terra, coordenadora do Centro de Pesquisa da Universidade Cândido Mendes (Ucam), em Campos dos Goytacazes, município que conta com a maior receita de royalties e participações especiais (paga sobre a produção de campos gigantes) do Brasil.
A área da Ucam coordenada por Denise publica o mais completo boletim sobre royalties do petróleo do país. Na avaliação da professora, os municípios que recebem royalties negligenciam suas arrecadações tributárias, talvez por ser "muito antipático" cobrar impostos diretos, como é o caso do IPTU, principal tributo de âmbito municipal. Ela entende que os novos prefeitos, ou os reeleitos, que tomam posse em janeiro, têm na perda de receita com o petróleo um bom momento para rever seus cadastros (de contribuintes).
A estudiosa da Ucam concentrou seus alertas nos municípios, por serem, na maioria dos casos, os elos mais frágeis das administrações públicas, mas em números absolutos o impacto maior da redução dos royalties ocorrerá sobre a receita do Estado do Rio de Janeiro, responsável por mais de 80% da produção de óleo do país.
No orçamento para 2009, o Estado previu uma receita de R$ 5,8 bilhões com royalties e participações especiais, mas caso a produção de petróleo da Petrobras não cresça o necessário para compensar a queda no preço do barril, em um cenário de continuidade da crise econômica, esse valor poderá ficar entre R$ 4,5 bilhões e R$ 5 bilhões. Seria uma queda de cerca de 25% sobre os R$ 6,5 bilhões que, de fato, devem ser arrecadados pelo Estado do Rio, entre royalties e participações especiais, em 2008.
"Esse é o o pior cenário, para o qual temos de estar preparados mesmo que ele não aconteça", disse o secretário da Fazenda do Estado, Joaquim Levy. A queda na arrecadação, se confirmada, significará R$ 1,5 bilhão a menos em royalties e participações especiais nos cofres do Rio em 2009, algo como 3% do orçamento, de R$ 46,6 bilhões. "Na margem, é muito", admite Levy.
De janeiro a outubro, o Estado do Rio arrecadou R$ 4,919 bilhões entre royalties e participações especiais, segundo Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em 2007, o número foi de R$ 4,36 bilhões. Levy participou, semana passada, de audiência pública na comissão de orçamento da Assembléia Legislativa na qual deixou claros os principais fatores de risco para o orçamento do Estado. Um deles é a volatilidade das variáveis para calcular o valor das receitas de royalties e participações especiais.
Para fazer as projeções do orçamento de 2009, a Secretaria da Fazenda considerou uma taxa de câmbio de R$ 1,70 e o barril de petróleo na faixa de US$ 100 a US$ 110. A valorização do dólar tende a compensar em parte a queda no preço do barril. A dificuldade, porém, é saber o que acontecerá com a produção de petróleo, a outra variável para calcular a arrecadação de royalties. Na situação atual, com o câmbio a R$ 2,10 e o barril a US$ 60, a arrecadação de royalties e participações especiais do Estado poderia ficar próxima a R$ 6 bilhões, prevê Levy.
Ele disse que pediu uma revisão das projeções sobre a produção de petróleo da Petrobras para 2009. Outro ponto de análise é a base de cálculo das participações especiais, que pode ser afetada em um cenário de desaquecimento da economia. Levy disse que o esforço, para o ano que vem, passa por proteger os investimentos e evitar o aumento das despesas. No momento, o Estado enfrenta, na Assembléia Legislativa, pressão por elevações de salários.
Entre as medidas que podem ser tomadas pelo Estado estão a revisão das receitas e a reprogramação das despesas, reajustando-as "às disponibilidades de receita efetivamente arrecadadas", segundo a própria apresentação de Levy aos deputados. O líder do governo na Assembléia, deputado Paulo Melo (PMDB), avalia que o Estado pode perder entre R$ 800 milhões e R$ 2 bilhões em receita de royalties e participações especiais em 2009.
Nesse cenário é essencial não superestimar receitas e cortar gastos, afirmou Melo. A desaceleração da economia também poderá afetar o ICMS, mas o impacto deve ser menor do que em Estados com setores manufatureiros mais fortes já que a base de arrecadação do imposto no Rio, mais ligada a setores como energia e telecomunicações, não vinha crescendo tão rápido.
Um especialista em royalties no governo federal diz que o ideal, no atual cenário, é que Estados e municípios sejam conservadores nas projeções de receita com royalties e participações especiais. No total, 900 municípios recebem royalties no Brasil. Do valor pago em participações especiais, 40% vão para os Estados, sendo que o Rio de Janeiro fica com 97,5% desse total.
"A estratégia é fortalecer o Rio Previdência (o fundo único de previdência social do Estado), não dar aumentos de despesas continuadas e exercer os recursos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), inclusive com repartição de esforços entre os poderes", diz Levy. Ele espera que até dezembro a conjuntura esteja mais clara mas, mesmo assim, entende que, em 2009, será preciso fazer um acompanhamento bimestral do orçamento, de acordo com a LRF. A partir do comportamento das receitas, poderão ser feitos cortes para não comprometer metas, disse.
Com uma receita muito mais modesta, o Espírito Santo, segundo produtor de petróleo do país desde 2009, vai receber este ano entre R$ 350 milhões e R$ 400 milhões de recursos provenientes da chamada compensação pela produção de petróleo e gás no seu território. Até outubro foram R$ 303,3 milhões.
Embora o Estado ainda não tenha feito uma estimativa da perda de receita de royalties para 2009, o secretário estadual de Planejamento e Gestão, Eduardo Azevedo, disse que a perda de royalties já está incluída na revisão feita em setembro que reduziu de 10% para 3,7% a estimativa de aumento da receita líquida do Estado em 2009.
Em 2008 a receita deverá ser de R$ 5 bilhões, da qual os royalties correspondem a menos de 10%. O Estado já tomou medidas fiscais preventivas, como a reavaliação dos projetos de investimentos, suspensão de concursos públicos ainda não iniciados e redução dos investimentos com recursos próprios de R$ 1 bilhão para R$ 800 milhões em 2009. Quando sai do âmbito estadual para o municipal, a dependência da receita de royalties se torna muito mais dramática.