Título: Um mártir no caminho de Lula
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 25/02/2010, Mundo, p. 28

Morte de dissidente após 85 dias de greve de fome ofusca despedida do presidente brasileiro a Fidel e Raúl Castro

Lula entre o colega Raúl e o ex-presidente Fidel Castro: segundo o visitante, o Comandante está ¿excepcionalmente bem¿ de saúde

Adalberto Roque/AP - 10/12/09 Reina Tamayo (D), mãe de Zapata: ¿Assassinato premeditado¿

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou em Cuba uma visita de despedida de Fidel e Raúl Castro e de apoio a investimentos brasileiros na ilha, mas sua agenda foi atravessada pela morte de um preso político que manteve uma greve de fome por 85 dias e expirou horas antes da chegada do visitante, na noite de terça-feira. Reina Tamayo, mãe do dissidente Orlando Zapata Tamayo, chorava ontem a perda do filho, que tinha 42 anos e cumpria pena de até 36 anos por ¿falta de respeito¿, ¿desordem pública¿, ¿resistência¿ e ¿desobediência¿. O presidente Raúl Castro, em gesto inédito, viu-se constrangido a comentar o assunto na coletiva que concedeu ao lado de Lula, ao fim de uma reunião de trabalho. Ele ¿lamentou¿ a morte, mas atribuiu o desfecho trágico da greve de fome ¿às relações (de Cuba) com os Estados Unidos¿.

¿Orlando Zapata Tamayo sentiu que não tinha outra saída senão morrer de fome, em sinal de protesto, o que representa uma terrível amostra da contínua repressão política de que são objeto os dissidentes em Cuba¿, disse em comunicado a organização humanitária Anistia Internacional. O texto reitera o pedido pela libertação incondicional de todos os prisioneiros políticos em Cuba. Só em 2003, na operação Primavera Negra, o regime comunista prendeu 75 ativistas que pediam mudanças políticas.

A Comissão Cubana de Direito Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), formada por opositores, relatou que 50 dissidentes foram detidos ou retidos em casa para evitar que assistissem ao funeral de Zapata. ¿Desatou-se uma onda de repressão política¿ denunciou o porta-voz da comissão, Elizardo Sánchez.

Raúl Castro, questionado pela imprensa brasileira durante a coletiva que concedeu ao lado de Lula, lamentou a morte de Zapata, mas garantiu que o dissidente recebeu atendimento médico. ¿Levamos (o preso) ao hospital várias vezes¿, garantiu o presidente cubano, que não apenas culpou os EUA, mas empurrou para Washington as acusações de tortura feitas pela mãe do opositor. ¿Em Cuba não se pratica tortura. Isso acontece em Guantánamo¿, afirmou, em referência à base americana que opera na ilha.

O Departamento de Estado dos EUA respondeu, em comunicado, que a morte de Tamayo destaca a ¿injustiça de Cuba por manter na prisão mais de 200 presos políticos¿. Enquanto isso, a blogueira Yoani Sánchez(1) ¿ atualmente uma das mais notórias opositoras do regime ¿ divulgava um vídeo no qual Reina Tamayo expressa sua ¿dor profunda¿. ¿Meu filho perdeu a vida. Um assassinato premeditado. Meu filho foi torturado todo o tempo em que esteve na prisão¿, acusa a mãe de Zapata.

Lula fez sua quarta e última visita como presidente aos irmãos Castro. Como nas três anteriores, o presidente brasileiro excluiu da agenda encontros com a oposição cubana. Desta vez, 50 presos dissidentes enviaram cartas pedindo a Lula que intercedesse por eles nas conversas com Raúl, mas o governante alegou que não as recebeu.

Após a morte de Zapata, o líder do Movimento Cristão pela Libertação, Oswaldo Payá, criticou Lula duramente, em carta aberta: ¿Denunciamos a todos os governos e Estados que, neste continente e no mundo, preferem a relação harmoniosa com a mentira e a opressão à solidariedade aberta com o povo cubano. Todos são cúmplices do que ocorre e do que venha a ocorrer¿.

Reações Na Espanha, o premiê José Luis Rodríguez Zapatero se referiu de forma velada à morte de Zapata, ao dizer no Congresso Mundial contra Pena de Morte que ¿ninguém tem o direito de arrebatar a vida de outro ser humano¿. A declaração não impediu que o oposicionista Partido Popular (PP) pedisse que o governo ¿redefina suas relações¿ com Cuba, uma vez que a política externa de Zapatero reaproximou a Espanha do regime de Havana.

O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, que acompanhou Lula, também qualificou de lamentável a morte do dissidente, mas justificou: ¿Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro¿. Evitando falar sobre o assunto, Lula se encontrou com Fidel Castro, acompanhado do ministro da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência, Franklin Martins, e comentou que o ex-presidente está ¿excepcionalmente bem¿.

Horas antes, Lula visitou com Raúl o Porto de Mariel, a 50km da capital, onde o Brasil ajuda a financiar obras de ampliação e modernização. Serão US$ 450 milhões para a construção ou reforma de estradas, ferrovias e depósitos do complexo portuário. A obra foi encarregada à construtora brasileira Odebrecht, que deve começá-la no primeiro trimestre deste ano. Lula também conversou sobre o projeto de prospecção de petróleo em águas cubanas do Golfo do México pela Petrobras.

1 - Blogueira barrada A premiada blogueira Yoani Sánchez, 32 anos, não poderá participar do 5° Congresso Internacional da Língua Espanhola, de 2 a 5 de março, na cidade chilena de Valparaíso. Convidada para falar sobre o uso do espanhol e as novas tecnologias, Yoani revelou ontem que já tem o visto chileno, mas lhe falta o mais difícil e ¿angustioso¿: a permissão de saída das autoridades de seu país. A Academia de Letras Cubana considerou que ¿foram convidadas pessoas que não contam com aval para refletir e discutir sobre o destino do espanhol, e cuja presença no conclave só pode ser interpretada como uma provocação política¿. Yoani chegou a pedir ajuda da presidenta chilena, Michele Bachelet, e do rei Juan Carlos, da Espanha, mas os apelos não deram resultado.

Hillary confirma sua vinda

A posição brasileira quanto à questão dos direitos humanos em Cuba deve voltar à tona na próxima semana, quando a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, visitará o país para reunir-se com o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim. O Brasil tem insistido no fim do embargo econômico à ilha caribenha, assunto que os Estados Unidos não aceitam negociar enquanto não houver abertura política. A secretária é esperada em Brasília no próximo dia 3.

¿Vou viajar para a América Latina na semana que vem¿, confirmou Hillary ontem. Outros assuntos sensíveis na agenda da visita ao Brasil serão a aproximação do governo Lula com o Irã, que o presidente visitará ainda neste semestre, a reconstrução do Haiti e o reconhecimento das eleições presidenciais em Honduras.

Trata-se da primeira viagem da secretária de Estado à América Latina desde a posse do presidente Barack Obama.em janeiro de 2008. Antes do Brasil, Hillary visitará o Uruguai, onde assistirá na segunda-feira à posse do presidente José Mujica, e no dia seguinte seguirá para o Chile, onde se reunirá com a presidenta Michelle Bachelet e o sucessor eleito, Sebastián Piñera. No dia 4, na Costa Rica, a secretária será a oradora principal no Encontro Ministerial sobre os Caminhos para a Prosperidade nas Américas e terá um encontro privado com o presidente Oscar Arias e com a presidena eleita, Laura Chinchilla. Hillary viajará também para a Guatemala e se reunirá com o presidente Álvaro Colom. A Colômbia, um dos principais aliados de Washington na América Latina, ficou para outra ocasião.

No Brasil, Hillary deve buscar apoio para novas sanções ao programa nuclear iraniano, desde que o presidente Mahmud Ahmadinejad anunciou o enriquecimento de urânio em 20%. O Brasil, que ocupa atualmente uma das vagas rotativas do Conselho de Segurança da ONU, vem buscando o diálogo com Teerã. Os membros permanentes do conselho suspeitam que as atividades do Irã estejam voltadas para o desenvolvimento de armas nucleares, apesar das negativas do regime islâmico.

Depois de Hillary, o Brasil deve receber em abril a visita do secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates. A viagem de Gates foi acertada durante encontro com o colega brasileiro, Nelson Jobim, nesta semana, em Washington. Os dois ministros conversaram sobre a esperada compra de caças pelo Brasil, sobre o isolamento americano a Cuba e a cooperação na reconstrução ao Haiti. Jobim falou a Gates da ¿grande desconfiança da América do Sul em relação aos Estados Unidos¿, enquanto o Pentágono ressaltou a ¿confiança¿ de seu governo no Brasil e a ¿crescente importância¿ do país no cenário mundial.

Hillary deve também acertar com o chanceler Celso Amorim os preparativos para uma possível visita de Barack Obama ao Brasil, no segundo semestre.

Deu no...

CNN

Sem precedentes A emissora americana de TV a cabo destaca em sua página na internet o gesto do presidente cubano, Raúl Castro, de comentar publicamente a morte de Orlando Zapata. ¿De acordo com um comunicado oficial, que não tem precedentes, Castro lamentou a morte do dissidente¿, diz a reportagem. O texto observa que a declaração foi feita durante a entrevista coletiva concedida por Raúl ao lado do presidente brasileiro.

EL TIEMPO

¿Tortura, não¿ O principal diário da Colômbia também associou o constrangimento de Raúl Castro pela morte do dissidente à visita de Lula. A reportagem ressalta a afirmação do presidente cubano responsabilizando ¿as relações com os Estados Unidos¿ pelo desfecho trágico da greve de fome de Orlando Zapata, e o desmentido categórico de que o preso político tenha sofrido tortura. ¿Em Cuba não se pratica tortura. Isso acontece em Guantánamo¿, disse Raúl, referindo-se à base naval que os EUA mantêm no extremo oriental da ilha, onde estão detidos acusados de terrorismo.

EL PAIS

Repercussões à vista Na edição online do jornal espanhol de maior prestígio internacional, ao lado da condenação do governo de Madri pela morte de Orlando Zapata, o destaque era para a prisão de mais dissidentes, em uma manobra do governo cubano para impedi-los de assistir aos funerais. ¿Meu filho foi torturado¿, estampa a manchete principal, citando a mãe do prisioneiro que não resistiu a 85 dias em greve de fome. O texto comenta também as reações da diplomacia europeia e antecipa que a morte de Zapata ¿terá