Título: Tesouro muda o pacote de socorro
Autor: Robb , Greg ; Solomon , Deborah
Fonte: Valor Econômico, 13/11/2008, Finanças, p. C1

O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, delineou ontem os detalhes para a próxima fase do pacote de socorro do governo para o mercado financeiro, anunciando que arquivou o plano original de adquirir ativos hipotecários problemáticos e voltando a sua atenção a instituições financeiras não-bancárias e ao financiamento aos consumidores. Analisando a iniciativa do resgate de US$ 700 bilhões, Paulson defendeu as providências já adotadas, mas disse que os mercados financeiros continuam frágeis e que o enfoque deve permanecer sobre "recuperação e manutenção".

"Eu acredito que tomamos as providências necessárias para evitar um evento sistêmico extenso. Tanto internamente como ao redor do mundo, já começamos a ver indícios de melhora", disse Paulson, em discurso proferido no Departamento [ministério] do Tesouro. Numa admissão surpreendente, porém, Paulson disse que comprar ativos hipotecários "não é o caminho mais eficaz" para usar recursos do governo.

A compra desses ativos, denominados tóxicos, já foi o alicerce do plano de resgate para os mercados financeiros e quase representou o foco integral do Congresso, quando o pacote estava em debate, antes da sua ratificação. Quase no momento em que o Tesouro recebeu o dinheiro, contudo, ele decidiu que dar dinheiro aos bancos em troca de ações preferenciais seria um uso mais vantajoso dos recursos. Paulson disse que ainda está "à vontade" com os US$ 700 bilhões para o plano de socorro e que não precisa ir ao Congresso para solicitar recursos adicionais.

O secretário disse que se reuniu nesta semana com membros da equipe econômica do presidente eleito Barack Obama para discutir o pacote de socorro. Parte do dinheiro economizado pela não aquisição dos ativos hipotecários será usado para reforçar o mercado de contas a receber de [empresas de] cartões de crédito, empréstimos para a compra de carros e empréstimos a estudantes, disse Paulson. "Esse mercado, que é vital para a concessão de empréstimos e para o crescimento, ficou, para todos os propósitos práticos, paralisado", disse Paulson. O Tesouro está considerando exigir que as empresas que postulem dinheiro do governo no futuro obtenham capital privado para se habilitarem à ajuda pública, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.

A iniciativa não deverá se aplicar ao programa atual de aquisição de capital de US$ 250 bilhões, com a injeção de dinheiro nos bancos. Mas o Tesouro está considerando vincular essas condições a todo e qualquer investimento de capital futuro, disseram essas pessoas.

O presidente da Comissão de Serviços Financeiros da Câmara dos Deputados dos EUA, Barney Frank, discordou da decisão de suspender as compras dos ativos. "Nós temos necessidade de utilizar esses recursos" para aquele propósito, disse o deputado Frank, democrata por Massachusetts, numa audiência no Congresso. Frank observou que o Congresso conferiu ao Tesouro autoridade explícita para comprar títulos lastreados em financiamentos imobiliários e empréstimos hipotecários como um todo, como parte do Tarp (programa de ajuda a ativos problemáticos, na sigla em inglês). O Tesouro dispunha de apenas US$ 60 bilhões remanescentes no seu fundo de socorro, e a administração atual, ou a próxima, precisará se dirigir ao Congresso para requisitar metade dos US$ 700 bilhões prometidos. O Tesouro empenhou, até agora, US$ 250 bilhões aos bancos, e está gastando US$ 40 bilhões adicionais para comprar ações preferenciais na AIG.

Os órgãos reguladores do sistema bancário dos EUA poderão anunciar diretrizes até o fim desta semana destinadas a incentivar os bancos a permanecer como financiadores ativos, num momento em que os mercados estão pressionados. Muitas empresas e pessoas físicas nos EUA se tornaram dependentes das linhas de crédito bancárias em meio ao enrijecimento dos mercados. As diretrizes regulatórias também poderão abordar temas sensíveis, como pagamento de dividendos pelos bancos e remuneração de executivos.

O fato de o Tesouro vir a exigir que as firmas levantem capital assinala nova fase para o governo, que anteriormente havia resistido a esse tipo de iniciativa. Antes de lançar o seu programa de aquisição de capital de US$ 250 bilhões, o Tesouro contemplou a possibilidade de exigir que os bancos captassem fundos equivalentes junto com o investimento do governo, mas considerou que a medida poderia inibir a participação de algumas empresas. Ele também ficou preocupado com a possibilidade de as empresas não conseguirem captar recursos privados no ambiente atual do mercado.

Em vez disso, o Tesouro estruturou o seu investimento de uma forma que, acreditava, incentivaria as empresas a oportunamente captarem recursos privados. As autoridades do Tesouro agora acreditam, porém, que as condições de mercado podem ter melhorado o suficiente para permitir que as empresas possam captar capital privado. Alguns economistas postulam exigir que as empresas captem recursos equivalentes, dizendo que isso reduz a capacidade do governo de escolher vencedores e perdedores.

"Esta idéia possui a grande virtude de incorporar a avaliação do setor privado sobre a viabilidade e a gestão destas firmas financeiras", disse Douglas Elmendorf, pesquisador sênior no Brookings Institution e membro da equipe de transição de Barack Obama.

O Banco Mundial revelou iniciativa nesses moldes na terça-feira para bancos de países em desenvolvimento, segundo a qual investirá US$ 1 para cada US$ 2 que os bancos captarem de outras fontes. Alguns legisladores estão ansiosos em ver o Tesouro concentrado nas injeções de capital, em vez de em aquisições de ativos. "Quanto mais examinamos leilões ou compras de ativos, mais nos deparamos com o mesmo problema: como estabelecemos o preço?", disse o senador Charles Schumer.