Título: Falta de consenso esvazia o G-20
Autor: Balthazar , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 13/11/2008, Finanças, p. C5
Autoridades envolvidas com os preparativos do encontro de líderes mundiais que discutirá a crise financeira global em Washington no sábado passaram os últimos dias baixando as expectativas de que o evento produzirá resultados significativos, um reflexo das dificuldades que os países que participarão da reunião têm encontrado para definir posições de consenso. AP Photo / Ng Han Guan
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, pressionou pelo encontro
O encontro foi convocado pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, depois de alguma relutância e por causa da pressão exercida por líderes europeus como o presidente da França, Nicolas Sarkozy. Terão lugar na mesa os países que integram o G-20, um grupo de discussões financeiras que reúne as economias mais avançadas do mundo e uma dúzia de países emergentes, entre eles o Brasil.
Funcionários envolvidos com a organização do encontro esperam que ele marque o início de um processo mais demorado de negociações, com a definição de um calendário de reuniões e a criação de grupos de trabalho para tratar de temas específicos. Ninguém acredita que será possível aprovar neste fim de semana propostas muito detalhadas para reformar o sistema financeiro internacional e evitar a repetição de crises como a atual.
As discussões têm se concentrado sobre a necessidade de mudar a maneira como bancos e outras instituições financeiras são regulados. Os europeus defendem um aperto significativo na vigilância do sistema, com a criação de novas regras e o estabelecimento de um comitê internacional para monitorar bancos e seguradoras multinacionais.
Na semana passada, os 27 membros da União Européia aprovaram uma declaração em que defendem reformas ambiciosas. Os europeus querem convencer outros membros do G-20 a se comprometer com propostas específicas, incluindo limites para a remuneração dos executivos dos bancos e normas para as agências de classificação de risco. No Brasil, o Ministério da Fazenda tem manifestado simpatia pelas sugestões européias.
Os americanos concordam que é preciso fazer algo, mas acham melhor ir devagar e são contra a criação de outro organismo internacional para cuidar disso. "Enquanto não alcançarmos um consenso sobre uma agenda de reformas abrangentes, não teremos solução", disse ontem o secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson. "O fim de semana oferece uma oportunidade para os países darem um passo importante, mas só um passo, no caminho da reforma."
Numa entrevista para jornalistas americanos, o assessor de Bush para assuntos econômicos internacionais, Daniel Price, indicou ontem que a proposta européia de criação de um novo órgão regulador será descartada se depender da vontade dos EUA. "Não sei de nenhum lugar que tenha dado algum apoio para constituir uma autoridade global única para regular os mercados financeiros", disse Price.
Para muitos investidores, seria um erro introduzir mudanças drásticas num momento em que o sistema financeiro atravessa um processo de reestruturação que já obrigou várias instituições a fechar as portas e ainda parece longe de acabar. "O melhor a fazer agora é respirar fundo e esperar alguns meses para agir", disse nesta semana numa conferência em Washington Richard Medley, presidente da Medley Capital, que administra diversos fundos de investimento.
Outro tema que deverá ser discutido no sábado é a pressão que países em desenvolvimento como o Brasil têm feito para ampliar sua participação em organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o G-7, o clube de países ricos que se reúne regularmente para discutir o estado da economia mundial. Há um razoável consenso sobre a necessidade de abrir espaço para os emergentes nessas organizações, mas os países ricos não abrem mão da influência que têm nesses grupos atualmente.
A situação política nos EUA tem contribuído para reduzir as expectativas em torno da reunião do fim de semana. Bush está perto do fim do seu mandato. Seu sucessor, o presidente eleito Barack Obama, só tomará posse em janeiro e evitou se envolver com os preparativos do encontro. Vários dos líderes mundiais que estarão em Washington pediram para encontrá-lo, mas ele avisou que vai ficar em Chicago.
Obama anunciou ontem que enviará dois representantes para conversas com os participantes da reunião, a ex-secretária de Estado Madeleine Albright e o ex-deputado Jim Leach, um republicano que se afastou de Bush na campanha eleitoral deste ano para apoiar Obama, que é do Partido Democrata. A missão de ambos será ouvir as preocupações dos líderes estrangeiros para transmiti-las a Obama depois.
Durante a campanha, Obama defendeu mudanças na regulação do sistema financeiro de maneira genérica, sem nunca apresentar sugestões muito específicas. "Ele provavelmente promoverá mudanças na regulação dos bancos americanos, mas dificilmente aceitará imposições de um orgão regulador internacional como o que os europeus desejam criar", disse o economista Brad Setser, ex-funcionário do Tesouro hoje no Conselho de Relações Exteriores, influente centro de estudos.