Título: HQ diversificada dá reforço às vendas
Autor: João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2005, Empresas &, p. B3

Nos anos 70 e 80, os únicos adversários que os heróis das revistas em quadrinhos tinham de enfrentar eram os de suas próprias histórias: Batman contra Curinga, Homem-Aranha versus Duende Verde, Tio Patinhas contra Maga Patalógica e assim por diante. Nos últimos anos, porém, o universo tradicional das histórias em quadrinhos - e as editoras responsáveis pelas publicações do gênero - passaram a enfrentar uma nova, concreta e unificada legião de adversários: os recentes meios eletrônicos de entretenimento, como internet, videogames, TV paga e MP3, só para citar alguns. Embora não existam números consolidados, todas as editoras concordam que tiveram baixas com a guerra. "Na década de 70, uma revista como 'Tio Patinhas' vendia 400 mil exemplares por edição, mais que a 'Veja'", diz Sérgio Figueiredo, diretor da divisão de infanto-juvenis da editora Abril. "Hoje, a tiragem média desse tipo de publicação varia entre 50 mil e 80 mil exemplares", compara. A Abril, vale lembrar, nasceu em 1950 com uma revista em quadrinhos, o "Pato Donald", hoje por volta da edição nº 2.300. Na Editora Globo, as revistas do campeão de vendas Maurício de Sousa ainda somam, juntas, entre 1,8 milhão e 2 milhões de exemplares por mês, informa a editora Arlete Alonso. É um número respeitável, mas que representa uma parcela do movimento do fim dos anos 80 e início dos 90, quando Mônica e sua turma batiam marcas históricas, entre 3 milhões e 4 milhões de exemplares. "Os quadrinhos nunca sofreram tanto a concorrência de outros meios", diz Figueiredo, da Abril. "Hoje, uma criança acorda às três da madrugada e tem à disposição seis canais de desenho na TV". Seria este o fim dos quadrinhos? Os sinais parecem indicar o contrário. De mudanças no sistema de distribuição até a diversificação de títulos e a busca de fontes de receita fora das bancas, as editoras têm lutado para estabelecer modelos de negócio mais lucrativos e restabelecer o lugar de destaque das revistas na mente e no orçamento do público. A Editora Globo decidiu desafiar a antiga crença de que os quadrinhos deformam o caráter das crianças e levar os personagens da Turma do Sítio para os bancos escolares. Tudo começou com o projeto "Emília no Fome Zero", que explicava em linguagem o programa do governo federal em linguagem adequada para crianças. "A cada exemplar vendido em banca a R$ 1, distribuíamos gratuitamente seis revistas para o governo", conta Arlete Alonso. O projeto rendeu a distribuição de 5 milhões de exemplares e abriu espaço para uma parceria comercial com o setor público, na elaboração de outra cartilha, desta vez sobre educação alimentar. Até agora, o governo já comprou 54 milhões dessas cartilhas com os personagens de Monteiro Lobato, além de 700 mil exemplares do caderno do professor. Os termos da parceria permitem à Globo publicar dez revistas ao custo de R$ 1. Agora, a empresa prepara-se para lançar, também para educadores, a revista da Professora Maluquinha, desta vez com base no Menino Maluquinho e outros personagens de Ziraldo, também publicados pela companhia. A elaboração de quadrinhos sob medida, a exemplo de um álbum de figurinhas feito para a Caixa Econômica Federal (CEF), é outra frente de negócios para a Globo. Ao todo, foram distribuídos 100 mil álbuns e mais de 7,2 milhões de figurinhas. "O álbum era dado ao cliente que abria uma conta nova. A cada valor depositado, ele recebia mais cromos", conta Arlete. Na Abril, a aposta é no mercado de publicações híbridas, que misturam quadrinhos com dois outros componentes: a distribuição de brindes colecionáveis e reportagens sobre escola, namoro, moda, saúde etc. A investida mais forte da editora é a "Witch", um título da Disney voltado para meninas entre 10 e 14 anos. "Entre 2003 e o ano passado, a circulação total da Witch subiu 30%, para cerca de 120 mil exemplares", diz Figueiredo. O número de exemplares vendidos varia entre 75 mil e 80 mil por edição. Outro título que segue a mesma linha é a "Recreio", cujas tiragens atingem picos de 300 mil exemplares no início das coleções de brindes, afirma o executivo. O filão parece tão promissor que a Abril prepara o lançamento de mais duas publicações híbridas para o público infanto-juvenil ainda este ano, revela Figueiredo. A disputa na área vai esquentar. A italiana Panini , que publica a revista "As Bruxinhas", também para garotas, vai lançar outro título para este público em março, informa Helcio de Carvalho, diretor editorial da Panini. Nenhuma das duas editoras adianta detalhes sobre as novas revistas. No caso da Panini, que também publica os super-heróis da Marvel, como X-Men e Hulk, e os da DC, a exemplo de Superman e Batman, outra estratégia é a diversificação de títulos. Antes, as revistas eram publicadas pela Abril. "Assumimos a Marvel no Brasil em 2001", diz Carvalho. "Começamos com seis revistas e dobramos o número em seis meses." Hoje, só de super-heróis, a Panini publica cerca de 30 títulos. A lista inclui desde Homem-Aranha Kids, voltado para leitores de 9 anos de idade - abaixo do público-alvo, fixado entre 13 e 25 anos -, como Marvel Max, dirigida a um público mais velho. Os adultos entraram definitivamente em foco depois que as editoras perceberam o surgimento de uma geração de pais que liam quadrinhos quando eram crianças. O resultado é a publicação de revistas de luxo e os primeiros livros de quadrinhos, voltados para quem não se importa de pagar mais caro e está acostumado a freqüentar livrarias em vez de bancas. A Abril lançou uma coleção de Carl Barks, criador de histórias clássicas da Disney, a R$ 15 cada. Como as revistas são lançadas em grupos de quatro edições, que vendem igualmente segundo a editora, o leitor desembolsa em média R$ 60. Já a Devir , uma editora brasileira com negócios em Portugal e na Espanha, tem em catálogo títulos como "A Liga Extraordinária", que virou filme, a R$ 49. A Conrad, outra editora nacional, surpreendeu-se com o resultado de uma noite de autógrafos que o americano Neil Gaiman, autor de obras como a série Sandman, fez em São Paulo. "Em poucas horas, ele autografou 1,2 mil exemplares de 'Os Caçadores de Sonhos', ", conta Rogério de Campos, diretor editorial da empresa. O livro é encontrado a R$ 54. As publicações ficaram tão sofisticadas que até a editora Companhia das Letras aderiu ao formato. Por meio do braço Cia das Letrinhas, lançou a série "Persépolis", que narra a revolução islâmica no Irã, em 1979, pelos olhos de uma garota de família ocidentalizada. Definitivamente, os quadrinhos mudaram.