Título: Alto Araguaia torce para que fábrica da Agrenco desencante
Autor: Cruz , Patrick
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2008, Agronegócios, p. B12

Cláudio; Raniel, Marinho, Luiz Carlos e Wagner; Valtinho, Diniz, Alessandro e Deividt; Leandro e Paulinho Pedalada. Em 31 de agosto, os comandados de Pedro Mendes no Araguaia Atlético Clube, time de futebol profissional de Alto Araguaia (MT), conquistaram a Taça Governador do Estado. Hora de brilhar nos jornais e na TV, hora de exibir a marca dos patrocinadores que tornaram o feito viável: Super Bolla, a fornecedora das camisas, Colchões Pelmex, Churrascaria e Terminal Vale do Araguaia, prefeitura. E Agrenco.

No campeonato estadual, disputado no primeiro semestre, ficou acertado que a Agrenco patrocinaria o time com cinco parcelas de R$ 15 mil. O apoio continuaria na segunda metade do ano, quando a Taça Governador foi disputada. Talvez não tenha sido coincidência o fato de a multinacional Agrenco, uma das estrelas da Bovespa na onda de aberturas de capital em 2007, quando levantou R$ 666 milhões, ter patrocinado o time mato-grossense no primeiro título em seus dez anos de vida.

Ou talvez tenha sido. Apenas duas parcelas do patrocínio foram repassadas ao clube. "A Agrenco entrou em dificuldades e não pôde mais pagar, mas as camisas que mostravam a marca da empresa já estavam prontas. Ficou assim mesmo", conta o cartola Marilzan Nunes da Costa, presidente do Araguaia. Alto Araguaia ainda sonha com a recuperação da Agrenco e a Agrenco tenta refazer a vida para realizar o sonho de Alto Araguaia. Mas a vida continua.

Localizada no sudeste de Mato Grosso, bem na divisa com Goiás, a cidade foi uma das três escolhidas pela companhia para a construção das unidades de beneficiamento de grãos e produção de biodiesel, que foram tocadas simultaneamente. A de Mato Grosso foi a única a ser inaugurada - as outras, inacabadas, ficam em Caarapó (MS) e Marialva (PR) -, mas não deu tempo de concluir o aeroporto que a empresa também construía bem perto da fábrica.

A pista está lá, aguardando as benfeitorias em seus 1.800 metros de extensão, comprimento superior ao da pista principal de Congonhas, em São Paulo. O aeroporto seria construído pela companhia, mas a administração ficaria sob responsabilidade da prefeitura.

Uma lástima para a cidade, que tem um bairro chamado Vila Aeroporto, no qual aeroporto não há mais. Não quer dizer que sobre ela voem apenas as pequenas aeronaves que aplicam defensivos nas lavouras de soja e algodão. Perto do aeroporto interrompido, o aeródromo Areia Branca recebe os vôos que têm a cidade como destino. Foi nele que desceram parte dos 800 convidados para a inauguração da unidade da Agrenco, em março deste ano.

Poucos dias depois da solenidade começaram a espocar os burburinhos sobre dificuldades enfrentadas pela empresa. Atrasos em pagamentos por lotes de soja, por material usado na construção da fábrica, pela prestação de serviços. A apreensão tornou-se lamento quando as fofocas se confirmaram. Em questão de menos de dois anos, a companhia passou de rumor de investimento, a investimento, a receio e a, por fim, interrupção da produção. Nos tempos em que era investimento, a empresa chegou a ser chamada por alguns de "Santa Agrenco", beatificada como em uma frase de Robin no antigo seriado de televisão.

A crise da Agrenco ocorreu poucos meses depois de sua oferta pública inicial de ações. Boa parte dos R$ 666 milhões obtidos na operação foi usada para pagar empréstimo com o Crédit Suisse, banco que coordenou a oferta, e para capital de giro. De acordo com os dados de seu último balanço publicado, referente ao primeiro trimestre, a dívida líquida da companhia era de R$ 1,2 bilhão, quase tudo para vencer em 12 meses. No caixa havia apenas R$ 52, 5 milhões.

O calvário mostrou-se ainda mais íngreme. Antonio Iafelice, Antônio Augusto Pires Júnior e Francisco Ramos, então três dos principais executivos da companhia, foram presos em junho na Operação Influenza, da Polícia Federal, sob suspeitas de crimes que iam de sonegação fiscal a fraude de balanço. Parte das provas foi considerada nula pela Justiça três meses depois.

Alto Araguaia, distante 1.141 quilômetros do prédio da Bovespa, no centro de São Paulo, e 1.468 quilômetros de Itajaí (SC), epicentro das investigações da Operação Influenza, franzia a testa. O município calculava que, a partir de 2010, a receita gerada pela Agrenco, sozinha, seria de R$ 300 mil por mês - não está na conta a receita adicional esperada para o maior movimento no comércio e nos serviços. Para uma cidade com orçamento de pouco mais de R$ 35 milhões anuais, seria uma adição, de uma hora para outra, superior a 10%.

Jerônimo Samita Maia Neto (PR), o prefeito da cidade, fazia planos de, com a receita extra, criar uma faculdade municipal ou, ao menos, um curso técnico voltado às atividades rurais. Não que ele tenha perdido a esperança de que o projeto da Agrenco no município volte a andar. "Continuamos na expectativa", diz ele.

Menos mal que, em Alto Araguaia, cidade de cerca de 15 mil habitantes, faculdades há. Se as operações da Agrenco estivessem em pleno curso neste momento, como se esperava, ela estaria entre as estrelas da economia alto-araguaiense, mas não fulguraria sozinha. A esmagadora de soja da Louis Dreyfus fica logo depois da cerca. ABC, Bunge, ALL, Galvani, Cargill, Mosaic, todas têm atuação na cidade.

Mesmo com a interrupção do patrocínio, o Araguaia Atlético Clube foi campeão. Aeroporto novo ainda não há, mas os aviões, bem ou mal, têm uma pista para seus pousos. Multinacionais e grandes grupos nacionais estão lá. E, ainda que momentaneamente desprovida da receita extra esperada para uma faculdade municipal, a cidade tem opções de cursos universitários para seus vestibulandos.

As ressalvas podem fazer crer que a Agrenco seria apenas mais uma empresa na cidade. O sentimento no município, no entanto, não é esse. A unidade da companhia com a aura de um respirador que daria fôlego novo para a agricultura da cidade.

Com o aumento da demanda, aluguéis de casas de dois, três quartos, que saíam por R$ 400 mensais, passaram a ser fechados por até R$ 800. A planta funcionaria com 150 funcionários. Alguns pediram seu desligamento ao longo da crise, mas ao menos 120 permanecem em atividades de manutenção, segundo a empresa. "Uma coisa diferente da Agrenco em relação a outras empresas é que ela deu preferência à contratação de pessoas da cidade", diz Paulo Serafim, presidente do Sindicato Rural da cidade.

A empresa tornou possível o aproveitamento de vastas áreas de pastagens degradadas de Alto Araguaia, fator tido como um dos mais cruciais de sua presença no município. Foram arrendados quase 14 mi hectares para o plantio principalmente de braquiária. Reunida em fardos de 450 quilos e, depois de picada, queimada, a gramínea serviria para a produção de energia a partir da biomassa. Como a necessidade de energia para a operação da fábrica é inferior à capacidade total de geração, boa parte da energia seria vendida à Centrais Elétricas Mato-Grossenses (Cemat).

Uma subestação está pronta para fazer a distribuição externa, mas dentro da fábrica nem toda a estrutura pôde ser concluída. Com isso, no intervalo em que o beneficiamento de soja pôde ser feito, a unidade funcionou abastecida por óleo diesel. Faltou pouca coisa para a conclusão da caldeira para a queima de braquiária e para a instalação do picador que seria usado nos fardos da gramínea.

Por conta disso, milhares de toneladas de fardos de braquiária acumulam-se nas plantações e também na área de estocagem da fábrica. No total, são ao menos 50 mil toneladas, volume com o qual daria para tocar a fábrica por dois meses, segundo Marco Antonio de Modesti, executivo que passou a acumular as funções de diretor-presidente e de finanças e relações com investidores.

No campo, o maquinário (próprio, arrendado e terceirizado) usado para o enfardamento e também para a seleção de sementes de braquiária aguarda a hora de voltar a funcionar. O desolamento das máquinas paradas não chama a atenção sozinho. Vastos campos verdes, nos quais o plantio chegou a ser realizado, contrastam com ordinárias terras de pastagens. A despeito de estar do ladinho de Alto Taquari, cidade mato-grossense de boa terra argilosa, Alto Araguaia tem sob si uma terra arenosa, pouco convidativa ao plantio.

Em diálogos a esmo, não é raro ouvir na cidade "janeiro", a senha de que há algo bom por vir logo ali depois dos fogos de artifício. De oficial, contudo, nada existe. A empresa está em recuperação judicial desde setembro, anunciou a abertura de negociações para ser comprada por Louis Dreyfus, Glencore ou Noble. A Justiça receberá na quarta-feira a proposta elaborada pela companhia para sua própria retomada, mas ainda há ritos e assembléias a serem seguidos com os credores.

No Estádio Bilinão, Valtinho, de cabeça, bateu o goleiro Everton Perereca e marcou o gol unitário da partida contra o União, de Rondonópolis (patrocínios: John Deere, Monsanto, Amaggi. É pelo União que o coração do governador Blairo Maggi bate mais forte) na partida do título do Araguaia Atlético Clube na Taça Governador do Estado.

Talvez a marca da Agrenco na camisa do time no único título de sua história tenha sido coincidência, talvez não. Houve quem creditasse a derrota do União à maldição da lavadeira. Demitida, magoada e vingativa, a ex-funcionária do clube teria vaticinado que o colorado de Rondonópolis jamais venceria alguma coisa. Tem sido assim nos 35 anos de vida do time. Ainda que não do jeito sonhado, em 31 de agosto, a Agrenco estava no time que ganhou.