Título: BC pode ajustar a meta, lembram analistas
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2008, Brasil, p. A7

O agravamento da crise global pode exigir do Banco Central (BC) uma condução mais flexível da política monetária daqui para a frente, para evitar um tombo muito abrupto do ritmo de crescimento. Em vez de perseguir a ferro e fogo o centro da meta definido para o ano que vem, de 4,5%, o BC talvez seja levado a fazer a convergência em um período mais longo, possivelmente para 2010. Para 2009, uma opção é perseguir um alvo ajustado, na casa de 5,5% ou um pouco menos, de modo a acomodar parte do provável choque da desvalorização do câmbio sobre os preços, sugerem alguns analistas. É uma estratégia que já foi adotada pelo BC - a última vez em 2005 - e que poderia ser usada sem abalar a credibilidade do regime de metas de inflação. Há controvérsias, porém, se isso abre espaço para cortes de juros ao longo do ano que vem. Ruy Baron/Valor Para Arminio Fraga, ex-presidente do BC, é errada a idéia de que o sistema de metas seja uma camisa-de-força

Responsável pela implementação do regime de metas de inflação no Brasil em 1999, o ex-presidente do BC Arminio Fraga rechaça a idéia de que o sistema seja uma camisa-de-força em um momento de crise como o atual. Segundo ele, num cenário em que um choque grande sobre a economia leve os índices de preços a se desviarem do alvo por um bom tempo, como ocorreu em 2002 e 2003, "o regime de metas ajuda a ancorar as expectativas e minimizar o esforço necessário para trazer a inflação de volta à meta".

Arminio diz que, "a princípio", a meta de 2009 deve ser perseguida, mas tudo depende de como estiver a situação no fim deste ano: "Diante de um choque ou desvio suficientemente grande, não seria absurdo alongar um pouco o período de convergência". Nesse caso, o caminho seria ajustar a meta de 2009? "Eu não acredito que só haja um caminho específico dentro do arcabouço mais geral do sistema de metas. O que fazer depende das causas da aceleração, se temporárias ou não, e até do estilo de cada diretoria", responde Arminio.

Já o coordenador do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Licha, acredita que o BC deveria anunciar o mais rápido possível a adoção de uma meta ajustada para 2009, possivelmente na casa de 5,3% a 5,4%. O objetivo de buscar os 4,5% ficaria para 2010. "O regime de metas tem essa flexibilidade", afirma Licha, lembrando que o BC já fez isso em outras oportunidades, como em 2003 e 2005.

Em 2003, o BC passou a perseguir uma meta de 8,5%, bem superior aos 4% da meta original, por causa da forte desvalorização do câmbio em 2002. Em 2005, o BC decidiu acomodar parte da inércia (o mecanismo pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura) causada pela alta forte das commodities metálicas, ajustando o alvo de 4,5% para 5,1%.

Para ele, a disparada da moeda americana, que subiu de R$ 1,60 em agosto para R$ 2,27 na sexta-feira, justifica a adoção de estratégia semelhante. Para Licha, se o BC quiser derrubar a inflação dos atuais 6,41% nos 12 meses até outubro para 4,5% até o fim do ano que vem, será necessário aumentar mais os juros, o que implicaria numa desaceleração ainda mais forte da atividade econômica, já fortemente castigada pela contração de crédito. Ele prevê que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) cairá de 5,2% neste ano para 3% no ano que vem. "Além disso, a mudança tenderia a ajudar a coordenar as expectativas de inflação dos agentes econômicos, hoje muito dispersas", afirma ele. Com a adoção de um alvo mais crível, as projeções tenderiam a orbitar em torno da nova meta.

O ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, diz que o uso da meta ajustada é uma evidência da flexibilidade do regime de metas, mas acredita que ainda não é o caso de anunciar a medida. Para ele, o BC fez bem em interromper o ciclo de alta dos juros na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do mês passado, dada a incerteza produzida pela crise. Tomar uma decisão como ajustar a meta, porém, exige que haja mais informações sobre o que se passa na economia.

Segundo Goldfajn, o melhor é esperar para ver como a contração do crédito vai afetar a atividade econômica, assim como qual será o efeito líquido da queda das commodities e da desvalorização do câmbio nos preços. "Acho que ainda não é o momento de adotar a meta ajustada. A inflação ainda está dentro da meta e as projeções para o ano que vem seguem dentro do razoável [em 5,2%]", diz.

O economista-chefe do Morgan Stanley, Marcelo Carvalho, acha bastante provável que o BC recorra ao ajuste da meta para evitar um sacrifício excessivo sobre a atividade econômica, provavelmente no começo do ano que vem. Carvalho diz que a crise global tem um impacto "estagflacionário" sobre a economia brasileira. Deve levar o país a conviver com um crescimento menor e uma inflação maior. Para ele, a alta do dólar deve empurrar a inflação para cima, mesmo em um cenário em que a contração do crédito acentua a desaceleração da atividade. Para lidar com esse choque duplamente adverso, o caminho mais indicado, para Carvalho, é adotar uma meta ajustada, talvez próxima a 5,5%. "Estamos vivendo um choque muito forte, e foi em ambientes como esse que as metas já foram ajustadas."

Uma revisão da meta para 2009, contudo, não implica necessariamente em uma queda rápida da taxa de juros, dizem alguns analistas. Para Carvalho, é possível até mesmo que o BC tenha que elevar as taxas antes de voltar a cortá-las, no fim de 2009, devido às pressões do câmbio sobre a inflação. Nesse cenário, o alvo ajustado ajudaria apenas a evitar uma alta mais forte da Selic. Carvalho prevê uma alta do PIB de apenas 2% em 2009, considerando possível até mesmo um número menor. "O Brasil é mais sensível ao cenário externo do que muitos economistas imaginam."

Licha não acredita que serão necessários novos aumentos dos juros, mas tampouco vê espaço para quedas ao longo de 2009. Para ele, a Selic ficará parada em 13,75% no ano que vem. O economista da UFRJ vê uma forte pressão sobre o câmbio em 2009, por estimar que o déficit em conta corrente deverá subir de US$ 25 bilhões em 2008 para US$ 45 bilhões em 2009, basicamente devido ao tombo do saldo comercial de US$ 23,1 bilhões para US$ 1,3 bilhão.

As exportações devem ser mais afetadas pela crise - devido à queda das commodities e à redução da demanda global - do que as importações. Licha considera que o BC terá de gastar US$ 45 bilhões de reservas no ano que vem para manter o dólar na casa de R$ 2,10.

O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, também considera a mudança da meta uma solução inteligente dentro do regime de metas, embora diga que é melhor aguardar mais informações antes de tomar a decisão. Para ele, é possível que haja, sim, espaço para cortes dos juros no ano que vem. Belluzzo diz que, em conversas com industriais e banqueiros, tem percebido uma forte queda na confiança, o que pode afetar fortemente a atividade econômica.

"Eu estou bastante preocupado com a situação da economia", diz Belluzzo, para quem seria "trágico" uma elevação dos juros num quadro em que muitas empresas estão revendo os projetos de investimento.