Título: Um brinde ao lucro
Autor: Angelo Pavini
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2005, EU &, p. D1

Ao mesmo tempo em que os brasileiros descobrem o mundo dos vinhos, em meio à abertura do mercado e à queda do dólar, muitos se perguntam se é possível juntar o prazer ao lucro, ganhando dinheiro com a bebida dos deuses. Principalmente quando se ouve falar em garrafas antigas, negociadas a US$ 40 mil - o preço de um razoável apartamento. Mas, antes de tudo é preciso saber como funciona esse mercado. A primeira coisa a saber é que sim, é possível ganhar com vinhos, da mesma forma que o investimento pode literalmente ir para o vinagre se não forem tomados vários cuidados. Não basta, portanto, esconder aquela garrafa embaixo da pia esperando ficar rico. O investimento em vinhos tem uma grande vantagem: caso não haja compradores, o investidor poderá desfrutar de uma bebida fina e muito cara, diz Jorge Lucki, especialista em vinhos e colunista do Valor. Por isso, o ideal é que o investidor também seja um apreciador de vinho. Hoje é difícil encontrar safras antigas no mercado, acrescenta Lucki, já que as pessoas estão preferindo consumir os vinhos mais cedo. Os riscos para quem investe em vinhos vão desde a escolha certa na hora da compra, passando pelo armazenamento em condições de temperatura e umidade adequadas, até quando e onde vender. "No Brasil não existe um mercado secundário de vinhos, os negócios são feitos no boca-a-boca, por indicações", diz Lucki. Um fator que o candidato a investidor deve levar em conta é a influência dos modismos. Muitas vezes, um vinho muito bom pode perder valor se os críticos que orientam o mercado torcerem o nariz para aquele tipo de bebida na ocasião da venda. E o investimento tem de ser de longo prazo, pois um vinho muito bom tem fases de maturação e decadência. Grandes vinhos podem levar mais de dez anos para amadurecer. Podem, inclusive, envelhecer por mais de 50 anos mantendo o charme e ganhando preço. É o caso de um Chateau Margaux 1900, ou Chateau Cheval Blanc 1947, os tais de US$ 40 mil a garrafa. O mercado de vinhos é fortemente influenciado pelos investidores asiáticos, que vêm inflacionando os preços dos vinhos nobres nos últimos 20 anos e reduzindo o potencial de ganhos. E esses investidores, por sua vez, são guiados por críticos e especialistas que, com sua opinião, podem definir o sucesso ou o fracasso de determinada safra ou produtor. Um dos mais influentes críticos hoje é o americano Robert Parker, responsável pelo informativo bimensal "The Wine Advocate" (O Defensor do Vinho). A avaliação de Parker sai em abril, e é aguardada pelos produtores e negociantes franceses para definir os preços das novas safras, explica Lucki. Mas o principal conselho dos especialistas ao investidor é procurar os grandes vinhos da região francesa de Bordeaux, que envelhecem bem por 20 anos ou mais. Isso permite adiar uma venda por um pouco mais de tempo se o mercado estiver ruim. Outro conselho é olhar sempre as marcas consagradas tradicionais. Além dos franceses, algumas regiões da Itália, Espanha e Portugal também merecem atenção. Já os americanos, australianos, argentinos e chilenos são produtores relativamente recentes e podem estar sujeitos a maior instabilidade, sendo considerados um investimento de maior risco. Entre os franceses, as "blue chips" do mercado são os tintos, da região de Bordeaux, com destaque para oito marcas: Pétrus, Mouton-Rothschild, Lafite-Rothschild, Haut-Brion, Latour, Lafleur, Ausone, Chateau Margaux. Em seguida, vêm os tintos da Borgonha, como Romanée-Conti e Domaine Leroy. Entre os italianos, os especialistas destacam a região da Toscana, com o Sassicaia, e na Espanha, o Vega Sicília. Uma alternativa para reduzir o custo inicial do investimento é a compra antecipada, chamada "en primeur", ou seja, antes do engarrafamento. O produto é comprado dois anos antes, o que pode garantir preços até 30% menores ou algumas garrafas mais raras. O risco é que o preço do vinho caia depois do lançamento. A venda é feita por meio de um comerciante autorizado, que emite um certificado reservando a caixa de vinho. É preciso levar em conta, porém, os custos de transporte e de imposto de importação, que podem encarecer o negócio. No caso brasileiro, a situação é mais complicada pois o processo terá de ser feito por um importador. O custo pode chegar a 75%, entre impostos e frete, explica Mariano Levy, da Grand Cru Importadora. É possível reservar meia caixa, ou seja, seis garrafas de cada marca. Uma caixa de um grande Bordeaux, a US$ 500 a garrafa, sairia em torno de US$ 10 mil, com os impostos. "Mas um grande Bordeaux da safra 2000 está hoje custando US$ 1 mil a US$ 1,5 mil, para R$ 500 da venda 'en primeur'", diz Levy. Em geral, a importadora pede o valor do vinho antecipado e o cliente paga os impostos e o frete na entrega. A qualidade da importadora é importante para garantir que o vinho não estrague no transporte, lembra Christine Michel Sidokpohou, do Clube du Taste-Vin, outra importadora que faz a venda "en primeur". Christine também ajuda colecionadores a venderem suas garrafas para outros que procuram vinhos raros. Especialistas lembram porém que , pelo prazo de entrega, a compra "en primeur" representa um risco. Rodrigo Santos Gomes, da Casa do Porto, diz que houve casos de empresas quebrarem e o cliente ficar sem o vinho. "Preferimos cobrar um pouco mais e o cliente leva o vinho na hora", diz. Para outras regiões da França e outros países, não há venda antecipada e é preciso procurar os importadores exclusivos. A Mistral, por exemplo, trabalha com o espanhol Vega Sicília. Já a Expand tem os vinhos da Borgonha Romanée-Conti e da Toscana, Sassicaia.